
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, OMS, em um relatório divulgado em março deste ano, anualmente, cerca de 727.000 pessoas tiram a própria vida e há um número muito maior de pessoas que tentam suicídio.
O ato afeta famílias, comunidades e países inteiros, com consequências duradouras para as pessoas que ficam.
O suicídio ocorre ao longo da vida e foi a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo em 2021 e configura-se como um problema de saúde pública que requer intervenções, para que possam ser prevenidos novos casos.
A nível mundial, o setembro amarelo surge como uma campanha de valorização da vida e atenção ao cuidado com a saúde mental.
No Brasil, durante todo o mês, instituições, empresas e diversos órgãos competentes, realizam ações a fim de promover a conscientização da população sobre a importância do cuidado com a saúde mental, que é por vezes, negligenciado.
Diante deste cenário, nesta semana, a reportagem do Farol de Notícias conversou com a Psicóloga Dra. Denise Martins, CRP 02-19639, que trouxe importantes esclarecimentos sobre essa temática e pontua que o cuidado com a saúde mental não deve ocorrer apenas durante este mês, mas durante o ano inteiro:
“A campanha do Setembro Amarelo, é muito importante, pois é um momento onde a gente quebra um pouco esse tabu para falar sobre morte, já que é algo que muitas vezes, até pela nossa cultura, fica um tanto mais distante da gente entrar em contato. É um momento onde profissionais da saúde e a sociedade como um todo se encontram para trocar ideias sobre essa finitude”, explicou Denise, continuando:
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“E, em especial, o momento em que algumas pessoas que estão em sofrimento acabam decidindo escolher isso como uma opção mesmo para encarar o encerramento de um ciclo de sofrimento. Então, esse é o momento em que a gente começa a trocar diálogos para entender se esse realmente é um caminho, quais as propostas de saúde para construir um enfrentamento e, o principal, evitar que casos de suicídio aconteçam no nosso país.”
Farol de Notícias: O suicídio ocorre mais em uma determinada faixa etária? Atinge mais homens ou mulheres?
Psicóloga Denise Martins: Antigamente era muito mais comum que ocorresse com idosos, o público-alvo era principalmente idosos. Geralmente, por conta da questão de que vamos pensar que é um momento em que a gente tem muitas perdas, vamos pensar em pontos principais, a aposentadoria, o ninho vazio, os filhos saindo de casa e, muitas vezes, lidar com esse momento muito reflexivo da vida, olhar para trás e ver coisas que gostaria de ter sido feitas e não foram, acaba gerando um senso de desesperança, arrependimento. Então, antigamente era muito mais visto no público idoso, mas aí esse número foi mudando e, infelizmente, hoje em dia a gente também vê adolescentes, jovens adultos e hoje não tem mais um público específico que chame a atenção e isso também nos preocupa muito, como um caso de saúde pública, por entender o que será que a gente está fazendo do mundo para que as pessoas tenham tanta vontade de morrer. Isso é uma coisa que a gente precisa levantar essa reflexão como sociedade.
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A gente percebe que existem mais homens que conseguem chegar realmente ao suicídio. Apesar de que mais mulheres tentam. Na verdade, os homens acabam buscando ferramentas e métodos mais letais do que as mulheres.
E também esse número influencia um pouco no sentido de que, na sociedade, a mulher tem uma abertura a mais para buscar ajuda. A gente tem, inclusive, outras campanhas de saúde que envolvem a ideia da saúde do homem.
Já por existir culturalmente uma resistência. Então, no final das contas, a gente percebe essa diferença nos números. As mulheres, elas tentam mais. Mas os que conseguem realmente contemplar ali a tentativa, é realmente os homens.
Farol de Notícias: Quais os sinais de alerta de que alguém que conhecemos precisa de ajuda? O que podemos fazer para ajudá-lo?
Psicóloga Denise Martins: Geralmente as pessoas associam o suicídio muito apenas à depressão e, quando a gente pensa nesses sinais, vai muito além.
É interessante perceber se essa pessoa está apresentando alguma mudança de comportamento mais brusca, alguém que era mais animado e acabou ficando um pouco mais triste, isolado, ou alguém que começou a trazer um discurso de desesperança, de que quer fugir, de que queria sumir.
Outra coisa que é muito comum é as pessoas começarem a fazer movimentos como se fosse finalização mesmo. Então, organizar herança, organizar dívidas e comunicar para a família, isso também nos levanta uma alerta de que há um pensamento sobre isso.
E qualquer tipo de comportamento autolesivo também já indica uma possibilidade de que essa pessoa tenha uma chance a mais de chegar a um momento de tentativa. Infelizmente, acontece casos onde a gente não tem muito um sinal claro.
Em especial porque entende-se que a maioria dos suicídios vão acontecer baseado em um momento de impulso, um momento de crise. Há casos onde isso fica mais claro, onde a pessoa demonstra sinais de pedido de socorro.
E, em outros momentos, essa crise se instala de forma tão intensa e impulsiva que, infelizmente, isso impede que as pessoas que estão ali ao redor identifiquem alguns sinais. Tem algumas pessoas que conseguem camuflar muito também essas questões.
Se a gente identificar que alguém está com alguns sinais, como seria a melhor forma de abordar? Seria interessante você chegar sem julgamento, acolher, porque, muitas vezes, na nossa sociedade, isso também é considerado como falta de fé, como se fosse uma questão mais voltada para uma ideia religiosa, uma falta, uma ausência ali de uma questão religiosa, um egoísmo, e a gente entende que isso é um quadro de adoecimento.
Nem sempre isso está ligado somente ao transtorno depressivo, existem outros transtornos também que têm um índice muito elevado, como o transtorno de bipolaridade, o transtorno de personalidade borderline, mas, assim, independente de ter ali algum tipo de transtorno, a gente entende que existe um sofrimento psíquico muito grande até aquela pessoa ter chegado naquele momento. Então, a primeira coisa que a gente deve fazer é buscar esse acolhimento, sem julgamento, para que a pessoa se sinta mais à vontade e até mesmo um pouco mais esperançosa para buscar ajuda e reverter esse quadro.
Farol de Notícias: Como procurar ajuda psicológica? Quais as alternativas possíveis?
Psicóloga Denise Martins: Infelizmente, esse é um outro problema de saúde pública, porque a gente vê, inclusive, uma crítica às vezes à própria Campanha do Setembro Amarelo, no sentido de incentivar as pessoas a buscarem ajuda.
E muitas vezes, o próprio governo, a própria sociedade não disponibilizar a acessibilidade às pessoas a buscarem terapia, o principal seria realmente a gente tentar, seja nos métodos públicos ou particulares, a ideia de buscar um profissional, de um psicólogo.
É importante também a gente buscar a ajuda de um profissional médico, que é o psiquiatra, que também está habilitado a fazer a parte da intervenção medicamentosa, que também é crucial nesses casos para a gente evitar que esses casos se concretizem. E também existe hoje em dia o CVV, que é o Centro de Valorização da Vida, onde o número é 188, e que as pessoas, no geral, elas podem ligar para receber ali de forma mais pontual um suporte.
Lembrando que isso não substitui o tratamento em si, seria muito mais uma ideia pontual de buscar ali um momento de desabafo, de acolhimento, até você conseguir, em especial, pedindo ajuda à sua rede de apoio, familiares, amigos, para conseguirem ter acesso a realmente um tratamento. Muitas vezes, somente comunicar para algum familiar já é o suficiente para construir essa ponte que leva até o tratamento.
Farol de Notícias: Recentemente, muitas pessoas têm recorrido e utilizado a inteligência artificial, IA e outros recursos tecnológicos para fazer terapia. É uma prática recomendável?
Psicóloga Denise Martins: Infelizmente, as pessoas têm recorrido mais à inteligência artificial, até também por uma questão socioeconômica.
Como havíamos abordado, a psicoterapia, o tratamento, infelizmente, ainda não é acessível a todos. E hoje em dia, quando a gente pensa na ideia do celular, é algo muito mais acessível para todas as pessoas no geral. Então, é como se isso encurtasse um pouco esses caminhos e fosse uma resposta e uma ajuda mais imediata.
Porém, precisamos lembrar que isso se trata de uma máquina, e sendo uma máquina, pode falhar. É muito perigoso, porque as pessoas têm se debruçado muito mais, inclusive com uma confiança muito grande na inteligência artificial.
Mas, por ser uma máquina que é programada para fazer isso, o que ela traz de resposta, na maioria das vezes, é exatamente o que a pessoa quer ouvir. E quando a gente pensa no processo de psicoterapia, nem sempre a gente vai estar escutando ali o que a gente queria.
Até pensando na ideia de uma mudança de comportamento necessária e suficiente para que esse quadro mude. Então, a IA, quando a gente para para pensar, ela pode até servir minimamente como espaço de desabafo, porém, um tanto perigoso, porque a gente não sabe o que é que vai vir de informação do outro lado.
E vamos pensar também que não substituir um profissional no sentido das emoções, no sentido dessa conexão que o mundo real permite e, em especial, porque nós, profissionais, a gente trabalha com ciência. Então, existem protocolos de tratamento validados cientificamente para os casos de risco a suicídio.
E abordagens diferentes, pensando em quem? Em quem aquele paciente necessita. A IA não vai trazer isso, ela vai trazer respostas genéricas e muito mais nesse espaço mesmo de desabafo que não vai englobar todo o ponto que o tratamento precisa chegar até o paciente.
Então, não é confiável e a gente precisa, assim, imediatamente quebrar esse crescimento de busca com essa ferramenta, porque isso pode ser trágico, sobretudo para adolescentes que têm, um pouco menos maturidade, pensando realmente na fase da vida, e como, muitas vezes, essas respostas prontas podem ser trágicas para eles também.
Farol de Notícias: Embora haja um certo tabu de se falar sobre este tema, durante todo o mês de setembro é bastante discutido, sobretudo nas redes sociais. Como você avalia esta prática?
Psicóloga Denise Martins: A gente também começa a pensar muito na responsabilidade que é falar sobre suicídio nas redes, visto que existe também uma chance de a gente trazer esse tema sem responsabilidade e isso acabar ativando um pouco mais gatilhos de pessoas que estão, naquele momento com essas ideações.
Se a gente for pensar em alguém que está bem, de saúde, que não tem nenhum tipo de pensamento negativo, é muito tranquilo, às vezes, falar sobre aquilo, ler algo, assistir algo, e isso não reverberar de forma negativa.
Mas quando já é alguém que vem há um tempo sentindo, em especial, um sofrimento psíquico muito grande, intenso, que é um dos riscos, está dentro desses fatores para, em algum momento, essa pessoa ser um potencial suicida.
Então, acaba que, muitas vezes, essa comunicação mais irresponsável pode acabar chegando como um gatilho. Os meios de comunicação, as redes sociais, a gente precisa ter muito cuidado com a forma de abordagem desse tema.
Farol de Notícias: Quais seriam possíveis fatores que podem contribuir para que uma pessoa chegue a este pensamento?
Psicóloga Denise Martins: É interessante também a gente pensar um pouco em quais são os fatores de risco que levam alguém a uma tentativa de suicídio.
E os fatores principais é, primeiro, essa pessoa ter realmente um quadro de sofrimento psíquico.
Muitas vezes isso pode estar associado também a outros tipos de dores, muitas vezes um quadro de adoecimento, a descoberta de um diagnóstico, isso também associado a realmente uma desesperança, porque vamos pensar que muitas vezes a pessoa tem ali algum tipo de sofrimento, mas tem uma característica de personalidade de ser mais resiliente, conseguir superar com mais facilidade.
Então, essa característica da desesperança, ela também é um ingrediente a mais, para esse potencial suicida e também a ideia de você, muitas vezes, ir naturalizando a morte em si.
Então, vamos pensar profissionais da saúde, policiais, são pessoas que estão o tempo inteiro ali lidando muito perto da morte e isso pode de alguma maneira naturalizar ao ponto de isso virar uma, digamos assim, uma chance a mais de algum momento você até mesmo no impulso, cometer.
Então, são características que a gente percebe que estão sempre muito ligadas para que esse risco aumente. E uma outra coisa também é você ter acesso a ferramentas letais, isso levanta um alerta para pessoas que têm realmente um porte de arma, a ideia também de prestar atenção em crianças e adolescentes que de alguma maneira podem ter acesso a essas ferramentas e sempre ficar atento à ideia também de exposição, de comportamentos autolesivos, porque na maioria das vezes esse é o primeiro passo, que essa pessoa apresenta, que lá na frente pode chegar realmente a uma tentativa.
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