Rock no Sertão tem nome: D.Gritos e os jovens de ST que fizeram história

Por Paulo César Gomes, Professor, escritor e colunista do Farol

Celebrar o Dia Mundial do Rock, neste 13 de julho, é mais do que reverenciar lendas internacionais dos grandes palcos. É um momento para homenagear os heróis locais, músicos que ousaram transformar ruídos em poesia, guitarras em resistência e palcos improvisados em trincheiras de liberdade.

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Neste cenário, não podemos esquecer das bandas formadas em Serra Talhada, como Anjos Rebeldes (de César Rasec, Cristiano Leite e Jário Ferreira), Lixo Luxo (criada por serra-talhadenses radicados em São Paulo), Kaêra, Dopamina, A Dobra, Democracia Entre A$pa$, Revolta Social e tantas outras. Mas entre todas, uma merece um grito mais alto: D.Gritos.

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Fundada em 1985 por Camilo Melo e Ricardo Rocha, a D.Gritos surgiu como uma faísca de rebeldia em um cenário musical local ainda conservador. Ao lado de Binga (Cleóbulo Ignácio), Jário Ferreira (in memoriam), Toinho Harmonia e Edésio Espedito, a banda enfrentou o escárnio do público desde cedo — inclusive sendo vaiada na primeira micareta fora de época organizada por Asissão.

Mas a história da música é escrita pelos que não se calam. Pouco mais de um ano depois, a D.Gritos conquistou aplausos de pé no Festival de Música de Salgueiro, com hinos como “Maira (Loucos)” e “Escravo de Ninguém (Porra)”, que até hoje ecoam com a voz marcante de Noroba.

A entrada do baterista Jorge Stanley foi um divisor de águas. Ele reorganizou os arranjos e consolidou a identidade sonora da banda. Em seguida vieram novas conquistas: o festival Cheep Rock, a abertura do show de Alceu Valença e a gravação do icônico disco Barriga de Rei, lançado em 1989, com participações de Paulo Rastafari, Nilsão e Ditinho nos teclados.

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Em 1990, a D.Gritos revelou Gisleno Sá e gravou o disco Traumas, engavetado após a saída de Camilo — decisão que ele mesmo descreveria como “uma das mais difíceis da vida”.

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Mas o golpe mais duro viria em 30 de agosto de 1993, durante os festejos de Nossa Senhora da Penha. Em pleno palco da Praça Sérgio Magalhães, Ricardo Rocha tombou vítima de uma descarga elétrica. Sem estrutura médica, foi carregado nas costas pelo amigo Nildo Gomes até o Pronto-Socorro São José, onde faleceu.

A certidão de óbito e o boletim da PM confirmaram: choque elétrico e parada cardiorrespiratória. Até hoje, a Prefeitura de Serra Talhada — responsável pela contratação do evento — nunca assumiu a responsabilidade. A família de Ricardo, sua esposa e dois filhos pequenos, jamais recebeu qualquer forma de reparação.

Apesar da dor, o legado não morreu. Em 2010, a banda fez uma breve aparição na Festa de Setembro. Em 2013, foi lançado o livro D.Gritos: Do Sonho à Tragédia, acompanhado por uma apresentação histórica que reuniu músicos e fãs — com destaque para Juliano Rocha (in memoriam), filho de Ricardo, que assumiu os vocais em uma noite carregada de emoção e significado. O palco foi montado a poucos metros de onde o destino rasgou a história da banda, mas ali foi a esperança que gritou mais alto.

Vieram mais homenagens: em 2015, pelos 30 anos da banda; em 2019, pelos 50 anos de nascimento de Ricardo e os 30 de Barriga de Rei; e em 2020, durante a pandemia, o lançamento do EP Revival, gravado por Camilo, Stanley, César Rasec e Zé Orlando — hoje disponível nas plataformas digitais.

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Agora, em 2025, quarenta anos após a fundação, o grito volta a ecoar com o lançamento de um novo livro, resgatando vozes, imagens e memórias de uma geração que ousou sonhar alto e uma tragédia pôs fim ao sonho. Não é apenas uma celebração musical. É uma reparação histórica, afetiva e simbólica a uma das bandas mais autênticas que já surgiram no sertão pernambucano.

Neste Dia Mundial do Rock, é preciso lembrar: o verdadeiro espírito do rock não vive apenas nos palcos das grandes gravadoras. Ele pulsa nas ruas, nos ‘garagens’, nas praças públicas e na coragem de quem levanta a voz mesmo diante das tragédias e da omissão.

Porque o rock, no sertão, tem nome.
E grita alto: D.Gritos vive!