Fotos: Acervo Pessoal
Publicado às 13h30 desta quinta-feira (20)
As aulas remotas reforçaram a desigualdade social do país, mas também mostraram o quanto as pessoas podem transpor barreiras quando focam nos sonhos. Com muito esforço, dificuldades das mais variadas naturezas, Cristiane Costa, 29 anos, defendeu seu trabalho monográfico online, via aplicativo Google Meet, numa noite chuvosa na linha ferroviária no Sítio Mocambo, a cerca de 2 km de casa, na zona rural de Serra Talhada. Era apenas nesse local que ela conseguia sinal de internet, o mesmo espaço onde manteve o curso de Letras, na Aeset, durante os dois anos de aulas remotas fazendo o download dos materiais e envidando as atividades.
O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que rendeu muitas lágrimas foi orientado pela professora Francisca Raquel e analisava justamente como a pandemia afetou a educação brasileira, intitulado ”Ensino e aprendizagem com base no ensino remoto’‘. Cristiane poderia optar por outras possibilidades de locais para a defesa, como vir para Serra Talhada e apresentar na casa da mãe, da irmã Graça Costa que também defendeu o trabalho, mas para ela não fazia sentido algum, uma vez que aquele espaço, na linha do trem, na escuridão da noite, exposta a muriçocas, a chuva tinha uma representação muito forte na conquista do sonho.
A superação de Cristiane e Graça comoveu a banca avaliadora, composta pelas professoras Meiriany Alcântara e Luciene Barbosa e aos que assistiram, pois, o momento foi de uma alegria regada por muitas lágrimas. Além do momento comovente, unidas pelo sangue e pelos laços de companheirismo, empatia e irmandade genuína, as irmãs: Cristiane, Graça, Cristina e Auzeni, que também concluíram o curso de Letras em dezembro de 2021 na AESET, são motivo de orgulho, admiração e resiliência tanto para a família quanto para os professores amigos e demais alunos.
“Foi um momento muito emocionante! É muito comum os alunos que estão defendendo o seu trabalho monográfico ficarem emocionados após a defesa e a durante a apresentação da avaliação final, neste caso, foi tudo muito diferente, a emoção tomou contou de nós, professoras avaliadoras, logo que a apresentação do trabalho começou. Em nenhum momento, as meninas comprometeram a qualidade da apresentação. Foi emocionante do início ao fim, pois educação faz isso: rompe os limites para ir ao encontro dos sonhos”, recordou a professora Meiriany Alcântara.
TRAJETÓRIA ACADÊMICA
Cristiane concluiu o Ensino Médio em 2012 no Cornélio Soares e em 2018 iniciou o curso de Letras na AESET mesmo com as dificuldades de transporte, pois não havia carro de estudante que fosse até sua casa. Nos dias de aula, ela andava 2km até o ponto do carro e mais 2km para voltar após às 22h sozinha. Durante os dias de estágio do PIBIC – Programa de Iniciação a Docência, o qual foi bolsista, percorria 5km para pegar o filho na escola e vir para a cidade cumprir o estágio. Com a chegada da pandemia e das aulas remotas, surgiram novas dificuldades.
Além do PIBIC, ela e as irmãs, que lhe deram total apoio com as aulas remotas, foram bolsistas do Residência Pedagógica e fazem questão de agradecer a CAPES pelo incentivo, uma vez que não teriam concluído o curso sem as bolsas. Além disso, são gratas a casa acadêmica que as acolheram – AESET. Com o trabalho que desenvolveram nos programas de fomento, conseguiram publicar artigos e um capítulo de livro pela Revista Conhecimento Livre. Em conversa com o Farol, Cristiane também emocionou através do seu depoimento retrospectivo.
”Eu sempre me lembrava das aulas da professora Luciene, ela perguntou se cada pessoa tinha uma pedra, e eu disse que a pedra quem coloca no nosso caminho é a gente e só a gente pode tirar. Nada na vida de ninguém é fácil, mas o que vai mudar é o que você faz com o seu caminho. Fiquei esses dois anos sem poder assistir aulas online, mas sempre estudava em casa os assuntos que os professores passavam porque sabia que lá na frente ia ser cobrado de mim um dia, como em concurso. Nunca me veio essa palavra desistir na cabeça, o meu foco era minha formatura”, relembrou continuando:
”Foi muito difícil escrever aquela monografia porque cada linha que eu escrevia, estava escrevendo a minha história e a história de muitos alunos que moram na zona rural porque assim como eu não tinha acesso à internet. Corri atrás de várias empresas, mas todas diziam: ‘lá não tem como’. Como é que o governo sabe que 52% dos alunos que moram na zona rural não têm acesso à internet e não faz nada para mudar a realidade desses estudantes? No dia da apresentação, estava chovendo, comprei uma lanterna para poder ir apresentar, não deu certo porque descarregou, mas graças a Deus conseguimos e graças a todo meu esforço de estudante hoje sou concursada da prefeitura de Serra Talhada”, concluiu.
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