As participantes utilizaram o mecanismo por duas semanas e passaram por consultas de revisão após 1, 7 e 14 dias de uso, onde deveriam relatar suas impressões sobre o dispositivo.
Ao fim do período, cada mulher perdeu cerca de 6,36 kg. No entanto, duas semanas após a remoção do dispositivo, houve ganho médio de peso de 0,73 kg.
Vida ‘menos satisfatória’ e constrangimento
Embora o texto afirme que “o dispositivo foi projetado de forma que a configuração mantivesse as vias aéreas, permitisse a fala e a alimentação com dieta líquida”, as pacientes relataram dificuldade em pronunciar algumas palavras.
Entre os efeitos adversos do dispositivo, as mulheres relataram desconforto intenso do atrito do dispositivo com as bochechas e indicaram que “ocasionalmente, se sentiam constrangidas, e que a vida, em geral, era menos satisfatória”.
Apesar dos apontamentos das pacientes, os pesquisadores defendem que o dispositivo não tem efeitos adversos e que o uso do aparelho pode ser uma alternativa mais barata e mais segura do que a cirurgia bariátrica.
“Portanto, sugere-se que muitas pessoas obesas podem achar este um tratamento alternativo atraente para alcançar uma perda de peso bem-sucedida”, afirmam os pesquisadores.
Alto risco de asfixia e outros problemas
Segundo o autor e vice-reitor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Otago, Paul Brunton, o dispositivo é “uma alternativa não invasiva, reversível, econômica e atrativa aos procedimentos cirúrgicos”.
O estudo clínico, contudo, traz informações que contradizem a frase do autor.
A investigação relata que o uso do mecanismo “oferece alto risco de asfixia” caso os pacientes vomitem ou tentem ingerir alimentos sólidos.
“Foi incorporado um mecanismo de segurança que permite o desligamento do dispositivo em caso de uma emergência, como um ataque de pânico ou quando surge a possibilidade de asfixia”, afirmam os pesquisadores do estudo clínico.
Essa não é a primeira vez que é criado um dispositivo com o propósito de “fechar a boca”. Em 1980, um dispositivo semelhante se tornou popular.
Na época, pacientes que utilizaram o aparelho por cerca de 9 a 12 meses desenvolveram doença gengival. Em alguns casos, houve problemas contínuos com a restrição do movimento da mandíbula e alguns desenvolveram condições psiquiátricas agudas.
Para o dentista especializado em disfunção temporomandibular pela Escola Paulista de Medicina, Gustavo Issas, esse é um dos muitos problemas relacionados à saúde bucal que o uso prolongado do dispositivo pode proporcionar.
“O uso prolongado de um dispositivo que limita a mobilidade da mandíbula pode causar danos temporários ou até mesmo irreversíveis à articulação da face”, afirma Issas.
Para Angélica Messa Gargel, especialista em ortodontia, o uso do dispositivo também impossibilita a higiene bucal, pois dificulta o uso do fio dental e a remoção da placa bacteriana através da escovação.
“Manter a higiene bucal em dia é primordial, pois a boca é a maior cavidade do corpo a ter contato direto com o meio ambiente e acaba sendo porta de entrada para bactérias e outros microrganismos”, afirma
O risco das dietas líquidas
Para Fernanda Imamura, nutricionista especializada em transtornos alimentares pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a restrição alimentar, seja ela qualitativa ou quantitativa, traz diversas consequências negativas para a saúde física e mental, podendo gerar ansiedade, estresse, mau humor e, em muitos casos, ter o efeito contrário ao desejado, promovendo pensamentos obsessivos com a comida.
“Na minha opinião, o dispositivo proposto no estudo desumaniza as pessoas gordas e é praticamente uma forma de tortura”, afirma Imamura.
A obesidade, segundo ela, é algo multifatorial e que “utilizar um imã para que as pessoas fiquem com a boca fechada é ignorar toda a complexidade da alimentação e do ser humano e se distancia completamente do que é promover saúde”.
Imamura explica que dietas líquidas podem ser usadas em casos muito específicos de doenças e de pós-cirúrgicos, mas não devem ser incentivadas para a população como uma estratégia para o emagrecimento ou para a promoção da saúde.
A mastigação é um ato importante, não só biologicamente por promover a movimentação da articulação do músculo, mas também porque é o primeiro passo do processo digestivo.
Além do mais, a alimentação e suas características, como aroma e sabor, envolvem um importante fator psicológico e emocional: afeto.
“Estimular dietas líquidas promove uma relação ruim com a comida, pois é uma forma de restrição alimentar muito intensa e pode ser gatilho para o desenvolvimento de transtornos alimentares”, afirma Imamura.