Jornal do Brasil

O desfile de ódio a negros, imigrantes, homossexuais e judeus na cidade de Charlottesville, no Estado americano de Virgínia, sexta-feira (12) passada, causou perplexidade e levantou debates a respeito da ascensão da extrema direita em diversos países.

A motivação desses homens carregando tochas e fazendo saudações nazistas partiu da decisão de retirar uma estátua do general confederado Robert E. Lee de um parque municipal da cidade de pouco mais de 50 mil habitantes.

Neste contexto de ascensão de extremistas, símbolos como estátuas e monumentos ganham um protagonismo até então pouco debatido. Especialistas alertam para a força desses símbolos na construção da memória e formação de opinião pública. “Existe uma disputa pelo espaço público. O nome que ele tem é algo que legitima manifestações como essas”, disse o professor de política internacional da Universidade Veiga de Almeida, Tanguy Baghdadi.

A fundadora do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, se diz contra todo e qualquer tipo de censura. Mas faz uma ressalva para casos simbólicos como estátuas: “Isso não quer dizer que a gente vai exaltar figuras da repressão, do terror, e da morte. Faz parte da história, mas não precisa ser exaltado. Exaltados precisam ser os movimentos que nunca aparecem na historia oficial”, disse.

Durante a Guerra Civil do país (1861-1865), os chamados Estados Confederados, do sul americano, buscaram independência para impedir a abolição da escravatura. Atualmente, diversas cidades americanas vêm retirando homenagens a militares confederados, gerando polêmica entre os que são a favor e contra a medida.

“Dizem que são símbolos culturais, só que não dá para ignorar a história que esse símbolo carrega. Essa disputa no sul dos EUA é antiga. É uma parte que você quer esquecer”, disse Tanguy, lembrando que essas manifestações racistas acontecem de forma recorrente no país. “É um traço histórico da região. O que existe hoje é certo encorajamento, no sentindo de que esses grupos acham possível dizer o que pensam sem consequências”, completou.

Os participantes do protesto gritavam palavras de ordem como: “Vocês não vão nos substituir”, em referência a imigrantes; “Vidas brancas importam”, em contraposição ao movimento negro Black Lives Matter; e “Morte aos Antifas”, abreviação de “antifascistas”. As tochas carregadas por eles são uma marca da Ku Klux Klan, grupo fundado pouco depois da guerra por ex-soldados confederados. A KKK promoveu durante anos a violência contra populações negras do sul do país.

A marcha entrou em confronto com um grupo que fazia oposição aos manifestantes, deixando três mortos e feridos. A polícia interveio, enquanto ambulâncias se deslocavam ao local. O governador do estado norte-americano da Virginia, Terry McAuliffe, chegou a decretar estado de emergência.

“Agora ficou muito mais ostensivo. Chegou num ponto crítico. Não tinha como se abster, a oposição é necessária. É uma manifestação que tem que ter certa dose de confronto, porque é assim que você faz com que a imprensa e as pessoas prestem atenção”, completou Taguy.

Trump

Críticas à imprensa também eram constantes durante o protesto e faziam coro com o slogan do presidente Donald Trump: “Não temos medo de ‘fake news’, seus mentirosos”. Richard Spencer, líder da ultradireita que chegou a fazer uma saudação nazista ao comemorar a vitória do magnata em novembro, estava no protesto em Charlottesville, junto com David Duke, figura proeminente da KKK. Em entrevista no sábado (12), Duke afirmou que o grupo vai “cumprir as promessas de Donald Trump [na campanha eleitoral] e tomar nosso país de volta”.

Dois dias depois do confronto e após ser alvo de várias críticas por “colocar a violência dos dois lados no mesmo patamar”, Donald Trump escreveu no Twitter: “Todos nós devemos estar unidos e condenar tudo o que representa o ódio. Não há lugar para esse tipo de violência na América. Vamos juntos como um!”.

“Trump é uma expressão desse ódio. Assim como na França, a ascensão de Marine Le Pen também é. Embora seja difícil dizer se Trump é uma causa, ou se ele é consequência. Até porque ele foi eleito com esse discurso, e depois que isso acontece, ele dá força para esse movimento”, disse Tanguy, acrescentando: “Ele se manifestou do ponto de vista político, porque a repercussão seria ruim para ele. É importante que ele seja forçado a falar. É importante que ele seja obrigado a se manifestar. Isso contribui para entender que o racismo está do lado errado”.