Publicado às 05h44 desta quarta-feira (12)

Coluna SAPIÊNCIA com PAULO BEZERRA*

*Mestre em Biodiversidade e Conservação pela UFRPE-UAST/ Bacharel em Ciências Biológicas pela UFRPE-UAST / Coordenador do Grupo de Estudos em Ecologia e Conservação da Herpetofauna-GEECOH

Aoô, Sapiens!

Continuando a nossa prosa, eu trago para vocês em mais uma matéria da coluna Sapiência a celebração do aniversário de 10 anos da implementação da primeira Unidade de Conservação em âmbito estadual do Bioma Caatinga em Pernambuco. Também vamos prosear sobre a importância da conservação da Caatinga e a situação em que se encontra o único bioma exclusivamente brasileiro.

Você sabia que nós brasileiros temos um bioma inteirinho para chamar de nosso? Pois é, a Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro. Não é possível encontrar esse ecossistema em nenhum outro lugar do planeta. E nós Sertanejos temos a satisfação de sermos agraciados com as belezas naturais da fauna e da flora Caatingueira. A resiliência e a resistência de mandacarus, xique-xiques e facheiros parece se confundir com a força, coragem e valentia das mulheres e homens do semiárido. Parafraseando o nobre escritor que descreveu antologicamente nossa bravura – ‘Antes de tudo somos fortes!’

Entretanto, mesmo com toda capacidade de auto-regulação típica dos ecossistemas naturais, à resistência a impactos também tem limites e a Caatinga tem sofrido com inúmeros distúrbios provocados pelo homem e sua ganância em exaurir os recursos naturais. Para garantir que as áreas naturais sofram menos impactos e o uso sustentável de recursos biológicos seja controlado garantindo a conservação do patrimônio natural, a subsistência de comunidades tradicionais, a preservação da biodiversidade e a pesquisa científica se faz necessário a criação de unidades de conservação – UC´s, que representam um importante sistema para a proteção ambiental. Como é o caso do nosso Parque Estadual Mata da Pimenteira – PEMP, que fica localizado em Serra Talhada-PE e que completou 10 anos de implementação, no dia 30 de janeiro de 2022. Me acompanhem nessa matéria e conheçam um pouco mais do PEMP e da importância das UC´s da Caatinga.

O Parque Estadual Mata da Pimenteira foi criado por meio do Decreto Estadual 37.823, de 30 de janeiro de 2012. Porém, no ano anterior em 14 de dezembro de 2011, foi realizada a primeira Consulta Pública visando sua criação, na Câmara de Vereadores de Serra Talhada. Na ocasião foi apresentada e discutida a proposta técnica, que por sua vez, foi aprovada integralmente. Participaram do momento, instituições públicas e privadas, universidades, ONGs de representação local, estudantes e a moradores residentes na Fazenda Saco e arredores. O nome dado ao Parque – Mata da Pimenteira – foi mantido e recebeu essa denominação pelos moradores da Fazenda Saco devido à ocorrência de uma grande quantidade de uma espécie de pimenta brava nativa da área e pelo fato dos moradores plantarem a espécie de pimenta malagueta que era utilizada nos cascos dos animais (bois e cavalos) para tratar da enfermidade conhecida como “Plan”.

O PEMP está localizado no município de Serra Talhada e é uma Unidade de Conservação do patrimônio biológico, no âmbito do Estado de Pernambuco, cuja categoria está inserida no Grupo de Proteção Integral. Nas unidades de Proteção Integral não podem ser habitadas pelo homem, o uso indireto dos seus recursos naturais é permitido – em atividades como pesquisa científica e turismo ecológico.
Em Pernambuco, a categoria Parque Estadual têm como objetivo geral a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, da recreação em contato com a natureza e de ecoturismo, de acordo com a Lei Estadual 13.787/2009.

Os objetivos específicos do Parque Estadual Mata da Pimenteira são:
• Contribuir para a preservação e a restauração da diversidade ecológica da Caatinga, ampliando a representatividade dos ecossistemas estaduais protegidos como unidades de conservação;
• Incentivar a implantação de ações que promovam a recuperação das áreas degradadas;
• Proteger as espécies endêmicas e as espécies raras ameaçadas de extinção ocorrentes na área e nos remanescentes florestais da região;
• Proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
• Promover a educação, a interpretação ambiental e a recreação em contato com a natureza;
• Apoiar o desenvolvimento sustentável, respeitando a capacidade de suporte ambiental da caatinga, potencializando as vocações naturais, culturais, artísticas, históricas e ecoturísticas da região (Decreto Estadual 37.823/2012).

Situado na mesorregião do Sertão, na microrregião do Vale do Pajeú, o PEMP está inserido nos limites da Fazenda Saco, uma propriedade do Instituto de Pesquisas Agronômicas – IPA. Está aproximadamente a 3 Km ao norte do centro da cidade. O Parque tem uma área total de 887,24 ha e possui o título de 1ª Unidade de Conservação do Estado de Pernambuco no Bioma Caatinga. O acesso principal ao PEMP é feito a partir da BR-232, sentido Recife-PE / Serra Talhada-PE, aproximadamente por volta do Km 413, seguindo pela via local conhecida como Avenida Gregório Ferraz. No sentido UFRPE/UAST, até o final do trecho asfaltado e, em seguida, vira-se à esquerda por uma estrada vicinal, de chão batido.

A categoria Parque permite e incentiva o ecoturismo e quem visitar o PEMP irá se deparar com belezas naturais de encher os olhos. O Parque é margeado por um complexo de Serras, onde os inselbergs (afloramentos rochosos) conferem uma identidade característica à paisagem. Apresenta uma vegetação típica de Caatinga hiperxerófila (vegetação adaptada a climas secos e semiáridos com poucas chuvas), de fisionomia arbustivo-arbórea a arbórea e composição florística característica da Floresta Estacional Caducifólia Espinhosa com presença de Cactáceas e Bromeliáceas.

Uma das características das plantas da Caatinga é a perda de suas folhas na estação seca. A caducifólia representa uma adaptação fisiológica estratégica para sobrevivências das espécies a falta de água, de modo que as folhas caem e as plantas evitam um maior stress hídrico. Em um estudo sobre a estrutura do componente lenhoso, Farias (2013) identificou 50 espécies distribuídas em 24 famílias e 41 gêneros, destacando-se as famílias Fabaceae e Euphorbiaceae. Algumas espécies de plantas comumente encontradas são Imburana-de-cambão, Umbuzeiro, Maniçoba, Embiratanha, Imburana-de-cheiro, Angico, Juazeiro, Baraúna, Pereiro, Aroeira, Caatingueira, Feijão-Bravo, Velame, Macambira, Jurema entre outras.

Por muito tempo foi difundida uma ideia equivocada de que a Caatinga era um bioma pobre em espécies e que sua fauna e flora eram subconjuntos de outros biomas, quase que não apresentando espécies únicas e exclusivas (baixo grau de endemismo). Mas essa visão errônea foi sendo substituída ao longo do tempo e os avanços da pesquisa científica trouxeram novas descobertas de espécies, mostrando o quanto rica e biodiversa é nossa Caatinga. Estudos mostram que cerca de 327 espécies animais são endêmicas (encontradas apenas na Caatinga). São exclusivas do bioma 13 espécies de mamíferos, 23 de lagartos, 20 de peixes e 15 de aves. Entre as plantas há 323 espécies endêmicas. Certamente essa diversidade já aumentou atualmente.

A fauna de vertebrados do PEMP é composta por 16 espécies de Anfíbios (sapos, rãs e pererecas), distribuídas em 6 famílias. Ocorrem na área o sapo-cururu, ‘gias e caçotes’ e a Rã-pimenta – que utilizada como fonte de proteínas por algumas comunidades da Caatinga. Podem também ser encontradas 46 espécies de aves distribuídas entre 16 famílias, ao andar pelo PEMP é possível ouvir o canto do Galo-de-campina, do Golinha, a cantiga do Vem-vem, a melodia dos Tzius e dos Sabiás e a volta da Asa-Branca.

Entre os Répteis (lagartos, serpentes e tartarugas), já forma identificadas 31 espécies distribuídas em 14 famílias, sendo sete para lagartos, seis para serpentes e uma cobra-de-duas-cabeças. As espécies mais abundantes foram a lagartixa-comum (Tropidurus hispidus) e a cobra-de-capim, Liophis poecilogyrus. Também foram registradas 24 espécies de mamíferos terrestres com destaque para os felinos. Ocorrem no PEMP a onça-bodeira, o gato-mourisco, o gato-maracajá, o gato-do-mato e a jaguatirica. Também podem ser vistos o tatu-bola, a raposinha, o gambá-de-orelha-branca, o tatu-peba, o mocó, o preá, o mão-pelada e bandos de macacos-prego quebrando e comendo os frutos do licuri.

Os visitantes do PEMP podem disfrutar de um sistema de trilhas ecológicas mapeadas e sinalizadas informando o grau de dificuldade, alertas em relação ao relevo e indicações de espécies da fauna e da flora que podem ser visualizadas durante os percursos. Desta maneira a metodologia das trilhas ecológicas são um importante mecanismo de educação ambiental e um formidável atrativo para os amantes da natureza.

A Mata da Pimenteira proporciona ao público conhecer um pouco mais das belezas da Caatinga, ao se aventurar, por exemplo, nas trilhas do macaco, do mocó e do tamboril. Especialmente no Mirante do Macaco, do alto de um lajedo imponente, o visitante pode contemplar uma vista espetacular dos inselbergs, do Açude do IPA e da Pedra Branca, um grandioso afloramento rochoso que emerge e se destaca em meio a vegetação. O PEMP também conta com uma rede de colaboradores – os agentes socioambientais do Parque Estadual Mata da Pimenteira – que passaram por um processo de formação para atuar na educação ambiental e promover atividades que aproximam a população serratalhadense do contato com as áreas naturais através de uma interação mais íntima com o Parque. Deste modo, oferecendo à população vivências e experiências com a Caatinga.

No que se refere às potencialidades do PEMP, um dos aspectos que merece destaque é a biodiversidade conservada, o conhecimento científico existente sobre a área e a presença constante da UFRPE/UAST, juntamente com o potencial para realização de novas pesquisas, que estimulam a atualização permanente do conhecimento sobre a unidade de conservação com a continuidade de pesquisas já publicadas e, ao mesmo tempo, possibilita um maior conhecimento e divulgação dos valores do bioma caatinga de Pernambuco.

A criação de UC municipal contígua à UC Estadual, na Serra Talhada, amplia a conexão da vegetação e o potencial biológico e paisagístico da área. A presença de árvores como baraúna, umburana-de-cheiro, angico e aroeira é bem significativa na Mata da Pimenteira. Outro fator importante é a institucionalização da UC que propicia a manutenção dos serviços ambientais prestados à comunidade e o desenvolvimento de programas de educação ambiental e de atividades voltadas ao ecoturismo e a sustentabilidade da UC.

Entre as vulnerabilidades vale salientar a instalação de um processo de degradação provocado por diversos fatores: assentamentos irregulares, com suas áreas de agricultura de subsistência localizadas principalmente nas Áreas de Preservação Permanente de margens de rio/açude e de elevação; proximidade de assentamentos e ocupações desordenadas, gerando práticas inadequadas de produção agropecuária que podem levar a um processo de desertificação; prática da criação extensiva do rebanho, com a presença de animais domésticos indesejados como: bovinos, caprinos, ovinos, equinos e asininos que pastejam nos limites da UC; presença acentuada de espécies exóticas e exóticas invasoras da flora e fauna, além da cultura de caça e apreensão de animais; práticas extrativistas desordenadas.

O bioma Caatinga é o maior e mais diversificado entre todas as florestas tropicais sazonalmente secas, estima-se que abriga mais de 900 espécies de animais e plantas e apesar de sua imensa riqueza biológica, é uma das regiões menos estudadas do planeta. Abrange uma área de quase 11% da área total do território brasileiro, com 844.453 Km². Uma área continua de Caatinga conservada pode abrigar cerca de 200 espécies de formigas, enquanto nas mais degradadas ocorrem apenas de 30 a 40.

Cerca de metade da vegetação da Caatinga já foi impactada por ações de origem humana. De 15% a 20% do bioma estão em alto grau de degradação e correndo sérios riscos de entrar em processo de desertificação. Em um estudo recente publicado em 2020, a Ecóloga Marina Antogiovanni (UFRN) e seus colaboradores mostraram que a Caatinga está severamente ameaçada pela atividade humana. Com cerca de 27 milhões de habitantes, é um dos biomas mais degradados do país. Os pesquisadores denominam o fenômeno de “perturbação antrópica crônica”, e é utilizado usado como base para avaliar a degradação ambiental causada por intervenção humanas como infraestrutura, pastoreio, extração de madeira e incêndios em 47.100 fragmentos remanescentes do bioma. Um dos coautores da pesquisa o Profº do Departamento de Ecologia da UFRN, Carlos Fonseca, comentou os resultados do estudo:

“A urbanização e a pecuária têm deteriorado profundamente a costa leste ao longo dos anos, enquanto na parte norte há muita extração de madeira e assentamentos humanos. Nem todos eles são sustentáveis, por causa da caça ilegal. Algumas outras regiões ainda estão preservadas e podem se tornar áreas de conservação”.

Deste modo, unidades de conservação como o Parque Estadual Mata da Pimenteira são cruciais para a estabilidade da Caatinga, conservação da biodiversidade, manutenção e regulação dos serviços ambientais gratuitos prestados pelos ecossistemas. Bem como a garantia ao uso sustentável de recursos naturais pelas comunidades tradicionais, acesso e visitação por parte do público para apreciar a beleza cênica da Caatinga contribuindo para o bem-estar da população e melhorias da qualidade de vida. Um viva ao Bioma Caatinga e os Parabéns ao Parque Estadual Mata da Pimenteira e todos que contribuíram desde o sonho e da ideia da criação da reserva, durante a implementação e até os dias de hoje.

Como vocês já devem saber eu sou biólogo, formado pela UFRPE-UAST e desenvolvi parte da minha pesquisa de graduação com ecologia comportamental de uma espécie de lagarto na Mata da Pimenteira e seus arredores. Por fim, faço em versos minha singela homenagem à Mata da Pimenteira por meio do poema de minha autoria intitulado ‘Mazama’ que foi publicado no meu livro ‘Dos inóspitos 15 m² do meu quarto: Doses de fuga, abstração e intimidade’.

Mazama

Tem Mazama no mato
Correndo pra siscondê no baixio
Caçador com ‘ceva’ atrepado
Na braúna num dá nenhum piu!
Mas com o chumbo molhado
O sereno atrapaiô o vadio
O tiro faiô no mirado
O borná voltou foi vazi
Na pedra-branca o sol nasce prêmero
Escorre no lajedo pru móde esquentar
O calango que corre ligeiro, é bicho faceiro, pra escapar
De corredeira, cobra caninana, ave tirana é o carcará
Tem cacimba, tem cacimbão, tem poço no chão, água pra matar
A sede do gato veloz, cansado algoz do mocó e do preá
Dinoponera formiga valente
Se morde a gente é de um pedaço arrancar!
O umbuzeiro é planta sagrada, sua cafofa na seca armazena água
Na invernada tem fruto pra fome matar
Dos bichos de toda qualidade, inté o homi, covarde
Diz que não é selvagem, mas a natureza, ele quer dizimar!

Saudações Darwinianas

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Referências

AGÊNCIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE (CPRH). Parque Estadual Mata da Pimenteira. http://www2.cprh.pe.gov.br/uc/parque-estadual-mata-da-pimenteira/ Acessado em 31 de janeiro de 2022.

AGÊNCIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE (CPRH). Parque Estadual Mata da Pimenteira: plano de manejo / Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Agência Estadual de Meio Ambiente. Recife: A Secretaria, 2013. 90p. : il.

Antongiovanni, M., Venticinque E. M., Matsumoto, M., & Fonseca, C. R. (2020). Chronic anthropogenic disturbance on Caatinga dry forest fragments. Journal of Applied Ecology, 57(10), 2064-2074. doi:10.1111/1365-2664.13686

FARIAS, S. G. G. DE. Estrutura e funcionamento da comunidade vegetal em uma área de caatinga em Serra Talhada – PE. Tese de Doutorado. Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Ciências Florestais, Área de concentração: Silvicultura. Recife, PE, 2013.

Silva, J. M., Leal, I. R., & Tabarelli, M. (2017). Caatinga: The largest tropical dry forest region in South America (pp. 461-474). Springer. doi:10.1007/978-3-319-68339-3_19.