Publicado às 6h30 deste domingo (30)

Coluna MOMENTO POÉTICO 

Por João Luckwu, poeta e escritor serra-talhadense 

A magia do boteco é surreal. É algo que transcende o imaginário de um poeta.  Neste contexto, faço uma singela homenagem em vida ao amigo Josué, também conhecido por “Ti Jesa”, dentre tantos outros apelidos carinhosos. Josué com maestria comandou o “Bar Central” por mais de quarenta anos convivendo com várias gerações de “biriteiros”, sempre tratando cada um deles como se fosse um filho.

Com seu jeito simples e respeitador, atendia a todos com maior presteza sem fazer distinção de raça ou classe social. Entretanto, sempre tinha uma resposta pronta para quem tentasse fazer uma “graça” no seu estabelecimento comercial.

Certa vez um cliente, pra chamar a atenção, falou em voz alta: “Josué, a cerveja tá quente”!! Prontamente ele respondeu: “Vá assoprando, quando ela esfriar, você bebe”. Em outra situação, vale ressaltar que não existiam tomadas elétricas no recinto, outro cliente, não sei se por inocência, caiu na esparrela de perguntar a Josué onde é que carrega celular no bar. Simplesmente ouviu a seguinte resposta: “Coloque aí na calçada que o moleque vem e carrega”.

Numa outra ocasião chegou um cliente, cuja caderneta já registrava uma inadimplência considerável, entrou no recinto e gentilmente falou “bom dia, Josué”!!  Na mesma “gentileza” Josué respondeu: “O dia tá bom pra você que veio beber fiado!!!! Pra mim que estou cheio de contas pra pagar não tá muito bom não.

Olha aí chegando o vendedor da distribuidora de bebidas pra receber o pedido da semana”. Isso era motivo de gargalhadas por todos os presentes, inclusive pelo próprio Josué, que fazia da labuta, além do sustento familiar,  uma razão pra se viver.

Num poema que fiz em homenagem à minha querida Serra Talhada, assim eu disse: “Josué deu seu nome ao Bar Central, fez do caldo uma marca registrada”. Na verdade, o bar ficou mais conhecido por “Bar de Josué” ou “Bar do Caldo”, do que propriamente por Bar Central. Quando “Ti Jesa” resolveu se aposentar, deixou um vazio que perdura até hoje nos nossos corações.

O poema a seguir foi construído no mote “Eu não troco um boteco bem matuto pelos bares mais lindos da cidade”, da poetisa Thaiana Campos, natural de Sumé-PB. Eu confesso que senti uma “inveja boa” por não ser o seu autor pois me identifiquei com este mote desde a primeira vez que o li nas redes sociais.

Neste versos que componho faço uma síntese imaginária retratando a magia e os encantos do boteco.

Converseiro nos tons mais exaltados
Cada qual dando a sua opinião
Vez em quando um soltando palavrão
Mas por fim saem todos abraçados
Tem aqueles bem mais “desenrolados”
Que se escoram e abusam da bondade
Comem, bebem, não pagam nem metade
“Juriti” passeando no reduto
Eu não troco um boteco bem matuto
Pelos bares mais lindos da cidade

Pra beber venha aqui que tem de tudo
Tem cerveja e cachaça com limão
Catuaba e conhaque de alcatrão
Mas “refri” não se toma com canudo
A mistura faz parte d’um estudo
Aguardente e vermute em igualdade
“Santo Onofre” não perde a lealdade
Mas se a dose é negada fica puto
Eu não troco um boteco bem matuto
Pelos bares mais lindos da cidade

Tira gosto bem simples no agrado
Tem “caldin”, tripa, rins e passarinha
Manguzá, feijoada, dobradinha
Peixe frito, pirão, bode guisado
“Fumacê” na calçada bem ao lado
Exalando um aroma em qualidade
Elegância abre mão da vaidade
Pra comer espetinho num minuto
Eu não troco um boteco bem matuto
Pelos bares mais lindos da cidade

Quando vejo um bar todo requintado
Um granito espelhando no balcão
Nenhum “bebo” escarrando pelo chão
Eu não entro, pois sou desconfiado
Eu prefiro um garçom bem abusado
Mas que tenha respeito e amizade
De “Ti Jesa” me bate uma saudade
Quando o bar fechou portas vesti luto
Eu não troco um boteco bem matuto
Pelos bares mais lindos da cidade

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