Do g1

Foto: MARCOS GONZÁLEZ / BBC

Basta caminhar por apenas alguns minutos pelas ruas do centro de Monterrey e você verá até quatro fotos de pessoas desaparecidas. Há também murais com rostos e nomes daqueles cujo paradeiro é desconhecido. Eles estão em cada poste, em cada esquina.

Trata-se de um sinal diário da crise que vive Monterrey — e todo o Estado de Nuevo León, no norte do México: há mais de 6.000 desaparecidos, segundo dados oficiais.

Mas foi o recente aumento de casos, especialmente de meninas muito jovens, que disparou todos os alarmes sobre a insegurança que perturba o cotidiano de milhares de mulheres.

“Como eu sei que você é jornalista? Por que você não usa um gravador?”, me pergunta desconfiada Guadalupe, uma mulher que estava em um café depois das 22h na cidade velha de Monterrey.

“Já tinha notado que você andou até lá e depois se aproximou… Estamos em alerta constante, chegamos a esse ponto”, confessa sua amiga Diana, sentada à mesma mesa na animada rua José María Morelos, uma área repleta de bares e restaurantes.

Ambas as mulheres dizem que se recusam a “viver com medo, trancadas”, mas admitem que esta noite “pensaram um pouco mais” antes de sair sozinhas. “Estamos mais atentas, não temos escolha a não ser cuidar de nós mesmas. É triste, mas é assim.”

Outras mulheres, no entanto, optam por desistir de seu direito de aproveitar a noite.

No conhecido Morelos Salon, um bar próximo com música ao vivo, frequentadores dizem que “desde o caso Debanhi” (Debanhi Escobar, uma jovem que foi encontrada morta em uma cisterna de hotel em abril) menos pessoas vão lá e muitas saem mais cedo do que costumavam.

“Olha, é muito raro você ver meninas sozinhas na rua. Elas sempre vêm em grupos ou acompanhadas (por homens)”, diz María Palacios, que trabalha no local. Segundo ela, os funcionários estão mais agora atentos às garotas quando elas deixam as instalações e que, “quando estão bêbadas”, se recusam a vender mais álcool.

“Temos que cuidar umas das outras”, diz ela.

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Autoridades sob escrutínio

Nuevo León ocupa o noticiário desde o início de abril, quando a imprensa local noticiou o desaparecimento de oito jovens em apenas dez dias, a maioria delas na capital Monterrey e em sua região metropolitana.

Segundo dados oficiais, 376 mulheres foram dadas como desaparecidas este ano neste Estado, a partir de 12 de maio. Destas, 48 permanecem como “não localizadas” e seis foram encontradas mortas.

E em um país onde 95% das denúncias não têm solução, o papel das autoridades em garantir a segurança e investigar esses casos está sob escrutínio.

Mas a verdade é que Nuevo León sofre com esta tragédia há muito tempo. Maya Hernández sabe disso, uma jovem estudante de psicologia clínica cuja mãe, Mayela Álvarez, desapareceu em Monterrey há quase dois anos.

Com apenas 16 anos na época, Maya teve que não apenas liderar a busca, mas também administrar sua casa, onde mora com sua avó e seu irmão mais novo.

“Antes de minha mãe desaparecer, não tinha ideia de que isso era uma crise social. E então percebi que não sou a única, que há muitos desaparecidos em Nuevo León. E que, em vez de diminuir, esse número aumentou ao longo dos anos”, diz ela à BBC.

Segundo Maya, em todo esse tempo, não houve avanços na investigação.

“O Ministério Público falhou conosco”, diz ela, enquanto cobra maior envolvimento do governador do Estado, Samuel García, como fez com outros casos recentes amplamente noticiados pela mídia, como o de Debanhi.

“O fato de minha mãe ter desaparecido me deixou mais cautelosa e mais consciente. Mas cada vez me sinto menos segura”, lamenta.
“Temos o direito de nos divertir e não devemos nos trancar em casa. Já fizemos isso por causa de uma pandemia, agora não devemos fazer por insegurança.”

A BBC não recebeu resposta a dois pedidos de entrevistas com o governador de Nuevo León e com o Ministério Público, cujo trabalho foi duramente criticado por familiares de desaparecidos que dizem ter encontrado claras irregularidades em casos como o de Debanhi.

A promotora estadual de feminicídio, Griselda Núñez, insistiu em descartar a acusação de que haja uma tendência generalizada ou organizada de violência contra as mulheres em Nuevo León e disse que cada caso deve ser tratado individualmente.

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Desamparo

Segundo Mariana Limón Rugerio, é “o desamparo do Estado” que não lhes deixa outra saída senão organizar-se. E mais ainda no caso dela, pois ela se sente mais exposta sendo uma jovem jornalista em Monterrey.

“Deixei instruções à minha família sobre o que fazer e quem contatar se eu desaparecer” para ajudá-los a lidar “com o dinossauro burocrático que é o México”, diz ela à BBC.

Graças a um aplicativo, sua família pode monitorar sua localização pelo telefone.

De acordo com suas instruções, seus parentes devem começar a se preocupar se três horas se passarem sem notícias dela. Ao fim de cinco horas, eles devem ir imediatamente ao Ministério Público e exigir que iniciem uma busca, pois esses primeiros momentos do desaparecimento são cruciais.
“Obviamente, espero que eles nunca usem (as instruções). É realmente horrível explicar aos seus pais o que fazer se você desaparecer. Mas prefiro que eles tenham um corpo para enterrar do que passarem a vida inteira me procurando, porque em um nível psicológico, o último seria muito mais pesado.”

As jovens de Monterrey estão sendo cada vez mais engenhosas quando se trata de adotar medidas de proteção, desde compartilhar sua localização até carregar spray de pimenta ou um dispositivo taser (eletrochoque) de autodefesa na bolsa. As táticas também incluem evitar postar fotos nas redes sociais em tempo real, para que estranhos não possam saber de sua localização atual.

Mónica López, professora de 26 anos da periferia de Monterrey, lamenta que as mulheres sejam obrigadas a adotar essas medidas.

“Não é justo, mas você acaba fazendo isso pela sua família e para chegar em casa viva”, admite.

Ela diz à BBC que, por causa dos últimos casos, algumas de suas amigas desenvolveram ansiedade social. “É a incerteza. Você se censura, perde a segurança, restringe suas horas…”

“Tenho medo porque saio à noite, vou a festas. Se me tornar vítima, espero que me chamem de ‘professora’ e não de ‘aquela que desapareceu porque estava bebendo'”, afirma, criticando aqueles que tendem a culpar as vítimas.

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E, inevitavelmente, a insegurança de que tanto se fala em Nuevo León repercute em seu trabalho e na relação com seus alunos.

“Você dá muitos conselhos e recomendações de segurança, você trabalha para que eles confiem em você. É horrível, porque são crianças, mas, no fim das contas, este é o ambiente em que estão crescendo e cabe a nós na escola prepará-los para lidar com ele.”

‘Situação complicada’
As autoridades às vezes se encontram em “uma situação complicada”, diz Gabriela Martínez.

Ela é policial em Monterrey desde os 19 anos, mas também é uma jovem afetada pelo contexto atual.

“Apesar de trabalhar nessa área, tenho medo porque também sou mãe. As pessoas pensam que você é policial 24 horas por dia e que temos um chip que nos deixa mais alertas, mas isso não quer dizer que algo poderia não aconteça conosco”, diz ela.

Martínez diz que os agentes da cidade implementaram medidas para aumentar o apoio às mulheres jovens em situação de vulnerabilidade, como acompanhá-las quando aguardam sozinhas o transporte.

No entanto, ela está ciente de que um dos maiores desafios da polícia é reconquistar a confiança dos cidadãos.

“Como mulher, obviamente vou cuidar das outras. Tenho uma filha e gostaria que outras pessoas cuidassem dela quando ela anda na rua. Realmente, espero que elas tenham confiança de que vamos fazer todo o possível para ajudá-las a chegar em casa com segurança”, diz.

Mas a insegurança em Nuevo León não parece estar melhorando aos olhos de muitas mulheres.

Enquanto algumas se sentem obrigadas a limitar seus movimentos para evitar serem sequestradas, os parentes das desaparecidas continuam pressionando as autoridades para que seus casos não sejam esquecidos.

Eles, como muitos outros, continuam a se fazer a pergunta que está pintada em letras grandes na calçada do lado de fora do Ministério Público, junto com os nomes de milhares de desaparecidas no Estado: “Onde estão?”