Publicado às 6h deste domingo (10)

Por João Luckwu, escritor e poeta serra-talhadense

O “Momento Poético” desta semana traz uma questão já vivida em anos anteriores quanto à situação do forró como carro chefe nos grandes festejos juninos. Volta e meia a polêmica ressurge e o forró fica, por vezes, relegado ao segundo plano. Numa breve análise, vimos que, tradicionalmente, os festejos juninos possuem uma característica voltada para o homem do campo e são celebrados com danças e comidas típicas, bem como trajes e decorações caipiras.

O milho é a base da culinária junina destacando-se a pamonha, a canjica, o manguzá, o angu dentre outros pratos típicos. É claro, não poderia faltar o milho assado na fogueira, que também serve para esquentar as pessoas que se aglomeram ao seu redor. Entre as bebidas, destaca-se o quentão feito à base de vinho ou cachaça.

Os festejos juninos são comemorarados em todo o país, mas foi no Nordeste que se tornaram uma grande tradição, especificamente na zona rural com a matutada dançando um autêntico forró pé de serra num chão batido embaixo de uma latada de sapé, ao som do Trio Nordestino, Luiz Gonzaga, Assisão dentre tantos renomados artistas regionais.

A canção “Olha Pro Céu”, composta por Luiz Gonzaga e José Fernandes, traz uma mensagem lírico-poética da verdadeira festa junina:

Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Como no céu vai sumindo

(….)

Foi numa noite igual a esta

Que tu me deste o coração

O céu estava assim em festa

Pois era noite de São João

 

Havia balões no ar

Xote, baião no salão

E no terreiro o teu olhar

Que incendiou meu coração

(….)

  Imortalizada pelo “Trio Nordestino” a canção “Chililique”, composta por J. B. Aquino e João Silva mostra o autêntico forró nordestino:

“O maior forró pelo que eu ouvir dizer

É na praia da ilha, você pode crer

 

Que as dez da noite, o forró já tá de pé

Sanfoneiro abre a sanfona e só se vê chegá mulher

Tem do café ao caldo de feijão no bar

Com meia légua se escuta, o som do chinelo chiar

  E por falar em Trio Nordestino deixo em registro um trecho de uma das mais belas poesias musicadas feita em homenagem a Lindu pelo poeta Rui Grúdi:

“Lindu que falta faz sua voz

Cantando amor pra nós

Festa aqui festa acolá

 

Você se foi….

Sua arte permanece

Nordestino nunca esquece

Do canto de um sabiá”

Na canção “Chuva Miúda” o mestre Assisão introduziu no forró um estilo eletrizado, porém sem perder a ternura poética:

(….)

“No inverno ou no estio

Tem o meu peito vazio

Pra você se aninhar

Os teus olhos é sedutor

Mas seu corpo é mais calor

E pensamento quer voar”

Há que se ressaltar que a festança junina transcendeu os limites rurais e adentrou às grandes cidades, onde se aglomeram milhares de pessoas. Destacando-se Caruaru em Pernambuco e Campina Grande na Paraíba como os principais polos de apresentação. Ocorre que, em detrimento da cultura regional, surge um espírito comercial e, sendo assim, a festa de São João é ameaçada de perder sua identidade.

Ritmos como o pancadão, axé music, sertanejo universitário, brega, pagode, dentre tantos há algum tempo vêm ocupando um espaço nas festas juninas que tradicionalmente era ocupado pelo forró, o que tem sido constantemente motivo de protesto por diversos artistas regionais das raízes forrozeiras.

No ano de 2017, um manifesto político-cultural assinado por diversos artistas renomados apontou uma desproporcionalidade na grade dos artistas, tanto em Caruaru quanto em Campina Grande, e que artistas regionais que expressam o autêntico forró pé de serra foram preteridos diante de outros ritmos já citados. O poeta Bráulio Tavares foi de uma sensibilidade ímpar ao escrever este poema:

“Deixe o batuque do axé

pro carnaval da Bahia

e a insana pornografia

não troque no arrasta-pé.

Rapariga e cabaré?

Em nenhuma ocasião.

E o forró da ostentação

Reinando o falso interesse?

Não faça um negócio desse,

Deixe junho pro São João.

 

Pelo menos uma vez

Esqueça Michel Teló

E deixe eu dançar forró

Os trinta dias do mês.

Um disco de Marinês,

O gogó de Assisão

E o nosso Rei do Baião,

Cantando Zé Marcolino,

Só esse mês é junino,

Deixe junho pro São João.

 

Com seu povo tenha zelo,

Respeite nossa raiz,

Não ouça o cantor que diz

Que o melhor é o desmantelo.

Deixe a escova do cabelo

De Wesley Safadão

Pro Programa do Faustão

Que aqui é outra lisura,

Não mate nossa cultura,

Deixe junho pro São João.

 

Deixe a tal da muriçoca

Se enganchar no mosqueteiro,

Contrate Alcimar Monteiro

Que nossa música toca.

Deixe o funk carioca

Tremendo seu paredão

Pra quando uma guarnição

Passar baixando o volume,

Perca esse fútil costume,

Deixe junho pro São João.

 

Nós precisamos parar

A superficialidade,

Pois cultura de verdade,

Jamais pode se apagar.

É triste se constatar

Essa covarde inversão,

E o povo sem ter noção

Do próprio valor que tem:

Faça a você esse bem:

Deixe junho pro São João”

No ano em curso, reacende-se a mesma questão, visto que houve um pronunciamento de uma das principais mandatárias de um dos polos da nossa cultura: “São João não é só pra quem gosta de forró, a gente trabalha com os artistas do samba, do rock, do pop, ‘até do ‘forró’!” O termo “até do forró” é o que nos dói, pois uma festa que tradicionalmente foi pautada no forró perde seu espaço para outros ritmos. Nesse contexto, inspirado nos versos do poeta Bráulio Tavares escrevi o poema intitulado

“A revolta de São João !!!!”

Já perdeu o seu encanto

Nossa festança matuta

Pois essa moda fajuta

Tira o sossego do santo

Chega até causar espanto

Alguém dizer que isso presta

Roedeira da mulesta

Pra quem tá no caritó

Se for pra não ter forró

Tirem meu nome da festa

 …

Não tem mais arrasta pé

Nem um xote bem dançado

Um baião “gonzagueado”

Ninguém sabe como é

Um alpendre de sapé

Naquela vila modesta

Hoje é só o que me resta

Num banzo de fazer dó

Se for pra não ter forró

Tirem meu nome da festa

 …

Sem casamento matuto

Nem quadrilha no salão

Falo por convicção

A festa já vestiu luto

Procure um substituto

Minha revolta se atesta

E pra não ficar aresta

Não deixo ponto sem nó

Se for pra não ter forró

Tirem meu nome da festa.

João Luckwu – Serra Talhada-PE