Por João Luckwu, escritor e poeta serra-talhadense
O “Momento Poético” desta semana traz uma questão já vivida em anos anteriores quanto à situação do forró como carro chefe nos grandes festejos juninos. Volta e meia a polêmica ressurge e o forró fica, por vezes, relegado ao segundo plano. Numa breve análise, vimos que, tradicionalmente, os festejos juninos possuem uma característica voltada para o homem do campo e são celebrados com danças e comidas típicas, bem como trajes e decorações caipiras.
O milho é a base da culinária junina destacando-se a pamonha, a canjica, o manguzá, o angu dentre outros pratos típicos. É claro, não poderia faltar o milho assado na fogueira, que também serve para esquentar as pessoas que se aglomeram ao seu redor. Entre as bebidas, destaca-se o quentão feito à base de vinho ou cachaça.
Os festejos juninos são comemorarados em todo o país, mas foi no Nordeste que se tornaram uma grande tradição, especificamente na zona rural com a matutada dançando um autêntico forró pé de serra num chão batido embaixo de uma latada de sapé, ao som do Trio Nordestino, Luiz Gonzaga, Assisão dentre tantos renomados artistas regionais.
A canção “Olha Pro Céu”, composta por Luiz Gonzaga e José Fernandes, traz uma mensagem lírico-poética da verdadeira festa junina:
Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
(….)
Foi numa noite igual a esta
Que tu me deste o coração
O céu estava assim em festa
Pois era noite de São João
Havia balões no ar
Xote, baião no salão
E no terreiro o teu olhar
Que incendiou meu coração
(….)
Imortalizada pelo “Trio Nordestino” a canção “Chililique”, composta por J. B. Aquino e João Silva mostra o autêntico forró nordestino:
“O maior forró pelo que eu ouvir dizer
É na praia da ilha, você pode crer
Que as dez da noite, o forró já tá de pé
Sanfoneiro abre a sanfona e só se vê chegá mulher
Tem do café ao caldo de feijão no bar
Com meia légua se escuta, o som do chinelo chiar
…
E por falar em Trio Nordestino deixo em registro um trecho de uma das mais belas poesias musicadas feita em homenagem a Lindu pelo poeta Rui Grúdi:
…
“Lindu que falta faz sua voz
Cantando amor pra nós
Festa aqui festa acolá
Você se foi….
Sua arte permanece
Nordestino nunca esquece
Do canto de um sabiá”
…
Na canção “Chuva Miúda” o mestre Assisão introduziu no forró um estilo eletrizado, porém sem perder a ternura poética:
(….)
“No inverno ou no estio
Tem o meu peito vazio
Pra você se aninhar
Os teus olhos é sedutor
Mas seu corpo é mais calor
E pensamento quer voar”
…
Há que se ressaltar que a festança junina transcendeu os limites rurais e adentrou às grandes cidades, onde se aglomeram milhares de pessoas. Destacando-se Caruaru em Pernambuco e Campina Grande na Paraíba como os principais polos de apresentação. Ocorre que, em detrimento da cultura regional, surge um espírito comercial e, sendo assim, a festa de São João é ameaçada de perder sua identidade.
Ritmos como o pancadão, axé music, sertanejo universitário, brega, pagode, dentre tantos há algum tempo vêm ocupando um espaço nas festas juninas que tradicionalmente era ocupado pelo forró, o que tem sido constantemente motivo de protesto por diversos artistas regionais das raízes forrozeiras.
No ano de 2017, um manifesto político-cultural assinado por diversos artistas renomados apontou uma desproporcionalidade na grade dos artistas, tanto em Caruaru quanto em Campina Grande, e que artistas regionais que expressam o autêntico forró pé de serra foram preteridos diante de outros ritmos já citados. O poeta Bráulio Tavares foi de uma sensibilidade ímpar ao escrever este poema:
“Deixe o batuque do axé
pro carnaval da Bahia
e a insana pornografia
não troque no arrasta-pé.
Rapariga e cabaré?
Em nenhuma ocasião.
E o forró da ostentação
Reinando o falso interesse?
Não faça um negócio desse,
Deixe junho pro São João.
Pelo menos uma vez
Esqueça Michel Teló
E deixe eu dançar forró
Os trinta dias do mês.
Um disco de Marinês,
O gogó de Assisão
E o nosso Rei do Baião,
Cantando Zé Marcolino,
Só esse mês é junino,
Deixe junho pro São João.
Com seu povo tenha zelo,
Respeite nossa raiz,
Não ouça o cantor que diz
Que o melhor é o desmantelo.
Deixe a escova do cabelo
De Wesley Safadão
Pro Programa do Faustão
Que aqui é outra lisura,
Não mate nossa cultura,
Deixe junho pro São João.
Deixe a tal da muriçoca
Se enganchar no mosqueteiro,
Contrate Alcimar Monteiro
Que nossa música toca.
Deixe o funk carioca
Tremendo seu paredão
Pra quando uma guarnição
Passar baixando o volume,
Perca esse fútil costume,
Deixe junho pro São João.
Nós precisamos parar
A superficialidade,
Pois cultura de verdade,
Jamais pode se apagar.
É triste se constatar
Essa covarde inversão,
E o povo sem ter noção
Do próprio valor que tem:
Faça a você esse bem:
Deixe junho pro São João”
…
No ano em curso, reacende-se a mesma questão, visto que houve um pronunciamento de uma das principais mandatárias de um dos polos da nossa cultura: “São João não é só pra quem gosta de forró, a gente trabalha com os artistas do samba, do rock, do pop, ‘até do ‘forró’!” O termo “até do forró” é o que nos dói, pois uma festa que tradicionalmente foi pautada no forró perde seu espaço para outros ritmos. Nesse contexto, inspirado nos versos do poeta Bráulio Tavares escrevi o poema intitulado
5 comentários em Revolta de São João: ‘Se for pra não ter forró tirem meu nome da festa’