1458250635_154312_1458347119_noticia_normal

Em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, a mesma cidade onde o rei Roberto Carlos caiu nos trilhos em 1947 e perdeu a perna direita, Ailton Matias Pontes viveu, 37 anos depois, uma tragédia parecida. Um comboio de 16 vagões passou por cima dele e decepou metade do seu corpo, quase na altura do quadril, e o condenou, aos 22 anos, a uma invalidez. Mas Ailton não desabou. “Meu mundo não caiu. Não é para reclamar, a vida não é do jeito que a gente quer, é como ela vem. Viver é uma arte, eu nem corria nem jogava bola, então não faz diferença”, brinca ele.

Mais de 37 anos depois do acidente, Ailton, que recebe cerca de 1.200 reais por mês em indenizações, trabalha seis dias por semana consertando sapatos no chão de uma rua do Rio de Janeiro.

O pior dos temores de Ailton é depender de algo ou alguém: ele não usa cadeira de rodas, nem pernas ortopédicas e mora num sétimo andar sem elevador. Seu único apoio é um protetor artesanal feito com um pedaço de borracha do interior de um pneu de caminhão e uns quantos cintos que seguram seu tronco. Com ele, consegue proteger sua pele enquanto empurra o corpo com as mãos no chão. Essa é sua maneira de se locomover em uma cidade onde a mobilidade para pessoas como ele pode se tornar um inferno. “Já sofri muita humilhação. Taxista no Rio não quer pegar deficiente, os motoristas de ônibus não têm paciência, há quem passa por aqui e me oferece esmola… Eu me ofendo. Trabalhador não precisa de esmola” , lamenta Ailton.

Após o choque com o trem, em 1979, Ailton procurou trabalhos onde não precisasse das suas pernas. Candidatou-se em vagas de cobrador de ônibus e ascensorista, mas o recusavam por não ter completado o primeiro grau. “Você precisa de estudos até para isso”, alerta ele. “Quando perdi meus pais me chamaram para roubar, e quando perdi as pernas, [me chamaram] para pedir esmola. Eu tinha tudo para acabar perdido, mas sempre quis trabalhar, o trabalho engrandece as pessoas”.

El País