Do G1
Muitas escolas indianas não oferecem educação sexual, deixando para os pais a tarefa de conversar com os filhos sobre sexo e relacionamentos.
Mas, muitas vezes, eles não sabem ao certo o que dizer, revela a “coach de sexualidade” Pallavi Barnwal — e vários recorrem a ela em busca de conselhos.
Veja abaixo uma reportagem de 2018 sobre uma mudança de lei na Índia que descriminalizou sexo entre pessoas do mesmo gênero.
A seguir, o relato dela à correspondente de identidade e gênero da BBC, Megha Mohan:
‘Fazendo uma retrospectiva, minha educação conservadora indiana foi, na verdade, a base perfeita para alguém que acabaria como coach de sexualidade.
A primeira influência sobre mim, embora eu não tenha percebido na época, foi o próprio relacionamento dos meus pais.
Por anos, houve rumores sobre o casamento deles. Quando eu tinha cerca de oito anos, comecei a ouvir perguntas a respeito também.
Nas festas, se eu estivesse sem minha família, um exército de tias esbaforidas me colocaria contra a parede para um interrogatório.
‘Seus pais ainda dividem o mesmo quarto?
‘Você ouviu alguma discussão?’
‘Já viu algum homem fazendo visita?’
Eu podia estar ao lado mesa de sobremesas, prestes a colocar uma colher de sorvete na tigela, ou vagando pelo jardim à procura de outras crianças para brincar, e quando menos esperava, estava cercada por mulheres que eu mal conhecia, fazendo perguntas para as quais eu definitivamente não sabia a resposta.
Anos depois, após meu próprio divórcio, minha mãe me contou toda a história. No início do casamento dos meus pais, antes de meu irmão e eu nascermos, minha mãe sentiu uma atração profunda por um homem, a qual se transformou em um caso amoroso físico.
Em questão de semanas, ela foi tomada pela culpa e acabou com o relacionamento. Mas nas comunidades indianas, há olhos e bocas em todos os lugares. Com o tempo, os rumores chegaram até meu pai.
Para meu pai demorou 10 anos, e dois filhos, para finalmente perguntar a minha mãe sobre isso.
E prometeu a ela que qualquer que fosse a resposta isso não afetaria o relacionamento deles —mas, depois de anos de murmúrios, ele precisava saber.
Ela contou tudo a ele. Era menos uma questão sexual e mais de intimidade, ela disse. Tinha acontecido antes de eles terem começado uma família, quando o casamento ainda não tinha encontrado seu eixo.
Assim que ela parou de falar, percebeu uma frieza instantânea no ar. Meu pai se retirou imediatamente da sala.
A confirmação de uma história que ele suspeitava por anos acabou na mesma hora com qualquer confiança que houvesse entre eles — e o relacionamento se deteriorou rapidamente.
Isso me mostrou muito claramente que nossa incapacidade de falar adequadamente sobre sexo e intimidade pode destruir famílias.
Minha família é do Estado de Bihar, no leste da Índia. É uma das maiores e mais populosas regiões do país, fazendo fronteira com o Nepal e com o rio Ganges cortando suas planícies.
Tive uma infância conservadora. Como acontece com muitas famílias, sexo não era um assunto discutido abertamente.
Meus pais não davam as mãos nem se abraçavam, mas também não me lembro de ter visto nenhum casal em nossa comunidade sendo afetuoso fisicamente.
Minha primeira exposição a qualquer coisa relacionada a sexo aconteceu quando eu tinha 14 anos.
Certa tarde, entediada, fui procurar um livro no armário de meu pai quando um livreto, que estava entre seus romances e livros de história, caiu.
Continha várias pequenas histórias detalhadas sobre um mundo secreto em que homens e mulheres exploravam os corpos uns dos outros.
Este livro definitivamente não era literatura, era mais atrevido do que isso.
Uma das histórias era sobre uma jovem curiosa que fez um buraco na parede para poder ver um casal que ela conhecia na cama.
Tive de pesquisar o significado de uma palavra em hindi que nunca tinha ouvido antes, chumban, que significa beijo de língua apaixonado.
Eu tinha tantas perguntas, mas não havia ninguém com quem conversar.
Minhas amigas e eu nunca tínhamos discutido nada parecido.
Absorta no livro, levei um tempo para voltar ao presente e ouvir a voz da minha mãe me chamando de outro cômodo.
Naquela época, no final dos anos 1990, eu não sabia que não tinha feito nada de errado, que muitas crianças pelo mundo haviam começado a aprender sobre intimidade nessa idade, em grande parte na escola.
Na Bélgica, as crianças aprendem sobre sexo desde os sete anos. Mas a Índia não é um lugar onde a educação sexual seja parte obrigatória do currículo escolar.
Na verdade, só em 2018 que o Ministério da Saúde e Bem-Estar da Família lançou as diretrizes de educação sexual para as escolas. Mais de uma dúzia dos 29 Estados indianos optaram por não implementá-las.
De acordo com o jornal “The Times of India”, mais da metade das meninas que vivem nas áreas rurais do país não têm conhecimento sobre menstruação ou de sua causa.
Ter achado o livreto não me levou a um período de descobertas. Na verdade, eu o sepultei na minha mente e, como muitas garotas que cresceram na Índia, continuei conservadora.