Parlamento da Argentina – Foto: Juan Mabromata / AFP

Por Folha de Pernambuco

Após a maratona de discussões sobre a “Lei Ônibus”, que teve sua versão geral aprovada na semana passada, o governo de Javier Milei sofreu um inesperado e duro revés nesta terça-feira, quando o bloco governista pediu o retorno do projeto à fase de comissões, depois que vários dos artigos foram rejeitados pela Câmara nas análises individuais. Segundo as regras da Casa, na prática, o texto voltará à estaca zero.

primeira derrota ocorreu na análise sobre os poderes delegados ao poder Executivo, que dariam a Milei a capacidade para intervir em questões econômicas, de segurança, Defesa e outros campos sem a necessidade de passar pelo Congresso.

Apesar dos artigos que tratavam dos termos gerais dos poderes delegados terem sido aprovados, três incisos foram rejeitados pelos parlamentares — eles detalhavam a gestão discricionária de fundos fiduciários e capacidades mais amplas em questões energéticas e de segurança.

Em seguida, vieram as derrotas em um artigo que trata da reforma do Estado, um dos pontos centrais do projeto de Milei: o texto dava ao Poder Executivo a capacidade de intervir em empresas estatais e, eventualmente, privatizá-las. Dos seis incisos do artigo, apenas um foi aprovado, o que trata da profissionalização da administração pública.

A maior vitória de fato do governo foi a aprovação do primeiro dos 366 artigos da lei, que discorre sobre a declaração de emergências públicas pelo governo federal, descrita no “decretaço” anunciado no dia 20 de dezembro por Milei, e que dá ao Executivo poderes especiais para atuar em determinados setores. Contudo, três das emergências em vigor foram deixadas de fora pelos parlamentares, incluindo em matérias previdenciária e social.
Depois de uma tarde inteira de debates, votações e derrotas, por volta das 18h30 o presidente da Câmara, Martín Menem, convocou um quarto intervalo, e no retorno dos parlamentares ao plenário, Oscar Zago, líder do bloco governista, pediu que o projeto já aprovado em termos gerais na Casa voltasse à fase de comissões. Na saída, ele não poupou críticas especialmente aos governadores, com quem Milei negociou (ou tentou negociar) a aprovação da Lei Ônibus no Congresso.

— Houve deputados que se comprometeram com o apoio através dos governadores e não cumpriram suas palavra, e assim voltamos à fase de comissões — disse o deputado do Liberdade Avança, citado pelo jornal Clarín. — As negociações não fracassaram. Eles não cumpriram suas palavras. Não nos sentimos traídos, mas acreditamos que se equivocam. Houve votações nas quais fomos derrotados e nas quais alguns [deputados] se comprometeram a votar a favor.

Em comunicado, emitido através da Presidência em tom formal, Milei acusou os governadores de “tomarem a decisão de destruir” o projeto, e de “darem as costas” ao povo argentino. Minutos depois, o presidente, em sua conta pessoal no X (o antigo Twitter), usou o já conhecido tom explosivo.

“A casta se colocou contra a mudança votada pelos argentinos nas urnas. Sabemos que não será fácil mudar um sistema no qual os políticos enriquecem às custas dos argentinos que se levantam todos os dias para trabalhar”, escreveu. “Vamos continuar com nosso programa com ou sem o apoio dos dirigentes políticis que destruíram nosso país. Viva a liberdade, caralho!”

Em comunicado, o grupo de 10 governadores da coalizão Juntos Pela Mudança, que apoiou Milei na votação de novembro do ano passado e que participou das negociações, disse que cumpriu sua parte no processo de ajudar o governo.

“Então não é apropriado que nos responsabilizem ou nos desrespeitem alegando falta de vontade de diálogo e incapacidade da nossa parte quando na realidade trabalhamos incansavelmente”, afirmaram em comunicado.

A oposição, por sua vez, não poupou críticas à capacidade de articulação de Milei.

“Derrota política do governo e um papelão histórico. A lei voltará à comissão. Nunca se viu algo assim. Mentiram entre si e tudo veio abaixo”, afirmou, no X, o deputado kirchnerista Leandro Santoro.

Segundo o artigo 155 do regulamento do Congresso, caso um projeto já aprovado retorne à fase de comissões, como ocorreu nesta terça-feira, ele será submetido “ao trâmite ordinário, como se não tivesse recebido sanção alguma”. Ainda não há prazos ou detalhes sobre como será essa próxima fase das negociações e da tramitação do texto, considerado um dos pilares do governo de Javier Milei. Esta foi a primeira vez em que um projeto já aprovado em plenário “retrocedeu” no Legislativo.

Apresentada inicialmente com mais de de 600 artigos, a Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos defendia reformas profundas ao Estado argentino, na linha das promessas feitas por Milei durante a campanha. Contudo, conforme as negociações se arrastaram, artigos importantes, como sobre questões fiscais e previdenciárias, foram sendo abandonados, e o número de tópicos desidratado para tentar aumentar as chances de aprovação. Agora, resta saber qual será a saída adotada por Milei para aprovar seu programa de governo, no momento em que o país ainda enfrenta os efeitos da crise econômica e social.