O presidente Barack Obama dispensou o tom diplomático e atacou a Rússia nesta sexta (16), num discurso em que não faltaram ameaças (“podemos fazer coisas com vocês”) e desprezo (“é um país menor e mais fraco”).

Ele disse que fez um apelo direto a Vladimir Putin para “deixar disso” —”isso” sendo os ciberataques que a Casa Branca acusa o Kremlin de orquestrar contra os EUA, com o objetivo de interferir na eleição em que Donald Trump derrotou Hillary Clinton.

“Em setembro, quando vi Putin na China [no G20], achei que a forma mais eficaz seria falar diretamente com ele e dizer para deixar disso, ou teriam consequências.”

A relação estremecida entre os dois ex-rivais da Guerra Fria dominou a última entrevista de Obama à imprensa antes de a família presidencial sair para duas semanas de férias, no Havaí.

A primeira pergunta: ele deixaria “Putin se safar” com o ataque hacker? Para Obama, seu puxão de orelha funcionou: “Não vimos outras intromissões no processo eleitoral”. “Nossa meta continua sendo mandar uma clara mensagem à Rússia e a outros para não fazer isso com a gente, porque podemos fazer coisas com vocês.”

Mas o estrago, segundo Obama, já estava feito, pois o WikiLeaks já vazara e-mails (entregues por hackers russos, segundo os EUA) de líderes democratas. A legenda atribui a derrota de Hillary, em parte, à publicação das mensagens, que continham de estratégias para sabotar Bernie Sanders, rival dela nas prévias partidárias, a alfinetadas no eleitorado cristão.

Na véspera, Hillary falou pela primeira vez em público sobre o impacto do vazamento no pleito. A Rússia “mina a nossa democracia” para atender a uma “cisma pessoal” de Putin contra ela, afirmou em evento para doadores democratas, em Manhattan. O áudio foi divulgado pelo “New York Times”.

Em 2011, quando era secretária de Estado, ela repreendeu Moscou por uma eleição parlamentar que julgou ser fraudulenta, e o líder russo jamais a perdoou, acredita.

Democratas antecipam que o presidente eleito não vai priorizar investigações sobre o caso, já que Putin teria interferido na eleição para ajudar a elegê-lo —hipótese levantada pela CIA e considerada “ridícula” por Trump.

Obama não foi tão longe, evitando cravar que Hillary perdeu por causa do Kremlin. Defendeu que o episódio não vire um “futebol político” no campo doméstico. Investigar a intervenção de Moscou na eleição deveria ser sobretudo uma questão patriótica.

“Ronald Reagan se reviraria no caixão” se soubesse que um em três republicanos aprovam Putin, “o ex-cabeça da KGB”, disse, evocando o ex-presidente republicano, inspiração de Trump.

Obama continuou: “Os russos não podem mudar a gente. São um país menor, mais fraco. Sua economia não produz nada que as pessoas queiram comprar, fora petróleo e armas. Mas eles podem nos impactar se perdermos a noção de quem somos”.

Já no primeiro minuto da entrevista, o presidente brincou que, tal qual Papai Noel, tinha uma lista dos repórteres que haviam sido travessos. Adiante na conversa, mais sério, disse que Hillary “não foi tratada de forma justa” na eleição.

Ele pediu que a imprensa refletisse sobre o espaço dado na cobertura aos e-mails vazados num esquema de espionagem que nem sequer “foi sofisticado”, mas virou uma “obsessão” que pôs discussões sobre políticas públicas de lado.

Em 35 dias, Obama entregará a Casa Branca a Trump. Prometeu deixar análises sobre o candidato que atropelou seu partido. “Foi uma eleição fascinante. Estou certo de que veremos muitos livros sobre ela.”

Da Folha de São Paulo