Do portal Uol

Coluna do Reinaldo Azevedo

Depois de anunciar Nelson Teich como o novo ministro da Saúde, Jair Bolsonaro foi às portas do Palácio da Alvorada para cometer crimes de responsabilidade e crimes comuns aos montes. E para dizer outra penca de asneiras sobre o coronavírus e a Covid-19. Não sei se Teich dará entrevistas coletivas regulares, a exemplo de Luiz Henrique Mandetta. Se e quando o fizer, a imprensa terá de perguntar ao médico Teich se concorda com as opiniões sobre epidemiologia do capitão reformado Jair Bolsonaro.

O homem até contido no momento do anúncio do novo auxiliar cedeu ao ogro que costuma se manifestar às portas do Alvorada quando cercado de apoiadores. É bem verdade que o monstro ameaçou dar as caras já ao lado de Teich, mas conseguiu se segurar. Depois não! Aí Bolsonaro soltou cobras e lagartos. Sabe que pode fazê-lo à vontade porque o procurador-geral da República se transformou num contínuo servil da Presidência. Não se trata de apontar a falta de independência de Augusto Aras. O aspecto mais notável de sua gestão é a sinceridade: ele nem tenta se fingir de independente.

Vamos lá. É claro que Nelson Teich pode ter mentido nas entrevistas que concedeu e que passe a endossar todas as palavras tresloucadas do presidente. O fato é que, nesta quinta, depois do anúncio do novo ministro, Bolsonaro expeliu a fala mais agressiva desde que começou a crise do coronavírus.

OS COVARDES

Sim, o presidente quer os brasileiros fora de casa, levando uma vida normal. Para ele, é matéria de coragem. Logo, quem não aceitar seu convite para entrar na fila da UTI é um covarde. Afirmou: “Tem de enfrentar a chuva. Tem de enfrentar o vírus. Não adianta se acovardar, ficar dentro de casa. Nós sabemos que a vida é uma só. Sabemos dos pais que estão preocupados com os filhos voltarem às escolas. Mas tem de voltar à escola. Nós não temos nenhuma notícia de alguém abaixo de dez anos que contraiu o vírus e foi a óbito”

Justamente porque “a vida é uma só”, cumpre ter cautela, não? Desde quando a lógica é uma parceira do presidente? Ele não foi eleito pelo Washington Post “o pior do mundo” por acaso.

Entre todas as atividades sociais, a escola é uma das mais perigosas porque crianças e adolescentes desenvolvem formas leves da doença ou são portadoras assintomáticas do vírus. Por isso mesmo, representam um risco imenso a seus familiares e professores, que, por sua vez, também têm família.

Augusto Aras sabe que Bolsonaro está incidindo no Artigo 268 do Código Penal. Mas não vai fazer nada. Afinal, ele considera que um chefe de estado é dotado de “liberdade de expressão” para, como se nota acima, pregar o espraiamento de doença infectocontagiosa. Não custa lembrar que Teich desembarcou em Brasília usando máscara.

INCENTIVO À BADERNA

O presidente não ouviu certamente o maior panelaço da história. Se, antes, dizia esperar que a população se manifestasse contra os governadores, desta feita, ele fez pregação aberta, incitação: “Quem vai convencer os governadores vai ser o povo, através de manifestações. No momento, houve um clima de pânico. E, com o tempo, a pessoa vai tomando consciência que o problema está aí, como várias outras doenças que existem. E nós temos que enfrentá-lo”. Números e outras evidências demonstram que a “Covid-19” não é “como outras doenças que andam por aí”. Mais uma vez, manda o conhecimento e a ciência às favas. Não menos grave é estimular que a população se levante cocontra os governadores, como se estes estivessem impondo às pessoas uma agenda contra a sua própria segurança.

PROJETO DE LEI E SUPREMO

O presidente não entendeu, ou finge não ter entendido, a decisão do Supremo. Afirmou sobre a sua disposição de determinar o fim do distanciamento social na base da canetada:

“Talvez esse decreto eu transforme em projeto de lei e mande para o Congresso Nacional decidir. O que é uma atividade essencial? É você ter seu salário no final do mês. Agora, aqueles outros que não podem trabalhar, especialmente os mais humildes, como poderão levar um prato de comida pra casa? O que pode ser medida essencial no nosso projeto? Tudo aquilo que é essencial para você levar um prato de comida para a casa. O próprio presidente da OMS (Organização Mundial de Saúde) falou que cada país tem a sua especificidade”.

Como se nota, segundo o seu entendimento, essencial, na prática, é apenas tudo…

Pelo visto, ninguém lhe explicou a natureza da decisão que o Supremo tomou nesta quarta. Governadores e prefeitos têm autonomia para decidir, em suas respectivas esferas de competência, o que pode e o que não pode funcionar. Um projeto de lei, ainda que aprovado fosse pelo Congresso — e duvido que ele lograsse sucesso no Legislativo —, não se sobreporia a essa autonomia, garantida pela Constituição.

Ao nomear Nelson Teich, Bolsonaro fingiu certa adaptação à realidade. Era, como se vê, mentira. E disse, com todas as letras, que o novo ministro tem o mesmo pensamento. Tem? Alguém anteviu a paz? Vem mais confrontos por aí. Perto de Mandetta, Teich tem o carisma de um cabo de guarda-chuva.

Vamos ver como vai conciliar a sua ciência com a de Bolsonaro. A saída pode ser a defesa de que idosos e outros vulneráveis terão de perecer para que a economia floresça. Não creio que possa dar certo. A esta altura, Aras vira-se de lado e dorme o sono dos omissos.