Da Folha de PE

O presidente Jair Bolsonaro (PL) é, com larga vantagem, o líder entre os pré-candidatos ao Planalto, se o critério for o Telegram: ele conta com mais de 1 milhão de inscritos em seu canal. Com o bloqueio do aplicativo, portanto, é também ele quem sofre maior impacto.

Assim analisam os especialistas em redes sociais ouvidos pelo Globo, que destacam dois dos pontos mais críticos para o chefe do Executivo, após a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF): a divulgação de conteúdo e a coordenação da narrativa nas redes.

Com uma filosofia de mínima moderação, o Telegram é considerado um terreno mais fértil a campanhas de desinformação e discurso de ódio. Além disso, o aplicativo permite grupos com 200 mil pessoas e compartilhamento irrestrito.

Já os canais, ferramentas para transmitir mensagens, têm número ilimitado de inscritos. Por essas características, Bolsonaro compartilha frequentemente o link de seu canal em outras redes, na tentativa de que seus seguidores migrem para o Telegram. Desde o início deste ano, por exemplo, o presidente publicou 23 tuítes com links que levavam o usuário à sua conta na plataforma.

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Este movimento acontece, segundo Pedro Bruzzi, sócio da consultoria Arquimedes, em razão da capacidade de coordenação de narrativas que existe no Telegram. Para ele, é neste ponto em que Bolsonaro vai sofrer maior impacto, com a suspensão da plataforma.

“O Telegram facilita isso, em comparação a outras redes. É um canal de coordenação e de divulgação de argumentos e narrativas muito bem estabelecido, a ponto do próprio Bolsonaro divulgar o canal dele no Telegram em seu perfil no Twitter. Não divulgaria se não tivesse uma atuação planejada”, diz.

“Vale destacar que os bolsonaristas já vinham sofrendo com a coordenação dos argumentos contra a crise econômica, por exemplo. Perder um canal em que eles tinham ampla vantagem pode ser uma perda importante neste momento delicado”, completa Bruzzi.

Outra característica própria do Telegram, destacada por Bruzzi, é a dinâmica dos canais, onde a interação dos receptores com o emissor das informações é mínima, enquanto em redes como o Twitter, críticas e questionamentos ficam explícitos nos comentários.

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“É um canal de comunicação direta em que Bolsonaro consegue falar com um volume muito grande de pessoas sem a interferência de outros. Não dá para interagir tanto no canal dele, ele não sofre ataques da oposição, por exemplo”, afirma.

Ao avaliar esse impacto, Nina Santos, que é coordenadora acadêmica do projeto Desinformante, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), chama a atenção para a importância do Telegram como um facilitador da circulação de conteúdo nas redes. Ela explica que, como a plataforma não conta com políticas rígidas de moderação, bolsonaristas a utilizam para divulgar links de vídeos privados no YouTube, que só podem ser acessados com aquele endereço, para evitar que sejam removidos.

“Quando a gente está falando do ambiente digital, é importante falar de um ambiente que conversa entre plataformas, com links que circulam entre as redes. Quando uma plataforma é tirada do ar, tem que pensar que ela servia para fazer com que outro conteúdo circulas”, analisa.

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Para Santos, o Telegram serve como um porto seguro aos bolsonaristas, conforme as outras plataformas se tornam mais rígidas.

“Bolsonaristas procuram lugares confortáveis, com audiência e sem grande moderação. Com a rigidez das políticas de moderação de conteúdo, eles migram para redes como o Telegram, com um discurso falacioso de liberdade de expressão. Sem a plataforma, é claro que eles podem migrar para outros aplicativos, mas sempre se perde seguidores”, conclui.

Decisão de bloqueio do Telegram ocorre após sucessivas decisões do STF serem ignoradas pelo aplicativo, que tornou-se terreno fértil para desinformação.