Do Diario de Pernambuco

Um Yihad Ghabayin saiu de casa levando apenas a roupa do corpo, sem sequer se lembrar de usar uma máscara para se proteger do coronavírus. Diante das bombas de Israel, a pandemia não parece mais uma ameaça urgente para os palestinos da Faixa de Gaza.

Esta mãe de seis filhos deixou sua casa no norte da Faixa e se refugiou em uma escola da UNRWA, agência da ONU que ajuda os refugiados palestinos, por medo de morrer nos ataques israelenses. Há mais de uma semana, bombardeios aéreos castigam o enclave palestino, onde vivem quase dois milhões de pessoas.
“Desde que chegamos na sexta-feira, não conseguimos nem tomar banho”, contou à AFP. “Não há abastecimento de água e falta higiene”, relatou.
Para o porta-voz da UNRWA, Adnan Abu Hasna, as 50 escolas da ONU transformadas em abrigo para mais de 40.000 deslocados internos em Gaza podem se tornar focos perigosos de coronavírus na Faixa de Gaza. Este território se encontra sob bloqueio israelense há quase 15 anos.
A agência da ONU disponibiliza itens de higiene e água, mas esta medida e a quantidade de material distribuído são insuficientes diante da gravidade da situação, admite o porta-voz.
Nas escolas, assim como nas ruas de Gaza, todos vivem sem máscara. Gestos de distanciamento e de higiene parecem coisa do passado, tendo desaparecido desde o início dos bombardeios israelenses e os disparos de foguetes dos movimentos armados.
“Os ataques contínuos de Israel minam todos os nossos esforços para combater o coronavírus”, lamenta o porta-voz do Ministério da Saúde, Ashraf al-Qudra.
Na segunda-feira (17), os bombardeios israelenses causaram danos significativos a uma clínica e a instalações deste Ministério na cidade de Gaza. Também destruíram o único laboratório, no qual testes de diagnóstico da Covid-19 eram realizados.
Além disso, dois médicos morreram nos bombardeios.
A proteção das infraestruturas médicas e do pessoal de saúde é um “imperativo em todas as circunstâncias”, insistiu na segunda o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.
“É essencial que os padrões humanitários internacionais sejam totalmente respeitados”, frisou.
– “Insuportável” –
“Se uma equipe médica fizesse testes aqui na escola, haveria 80% de casos positivos”, opina Salem Al-Attar, de 38 anos, que se refugiou no local depois que sua casa foi destruída por um míssil israelense.
Antes da ofensiva, as autoridades de Gaza realizavam uma média de 1.600 exames de diagnóstico por dia. Os resultados positivos giravam em torno de 28%, uma das taxas mais altas do mundo.
Desde o início da atual escalada, em 10 de maio, e segundo a OMS, foram contabilizados 9.000 casos de coronavírus.
No total, a Faixa registrou 986 mortes e mais de 105.000 infecções desde o início da pandemia da Covid-19. Segundo a OMS, do total de 122 mil doses de vacinas anticovid enviadas para o enclave, apenas a metade já foi administrada.
Nos hospitais, já saturados pelo número de pacientes, tudo teve de ser reorganizado, devido à violência dos últimos dias. Algumas unidades dedicadas exclusivamente a pacientes com coronavírus foram fechadas, ou transferidas para outro local, para poderem cuidar dos feridos nos bombardeios israelenses.
“Claro que tenho medo de ter coronavírus, mas será mais brando do que os bombardeios israelenses”, considera Um Jihad Ghabayin.
Com os pés descalços cobertos de poeira, seu filho Fuad a interrompe: “Os mísseis nos matam, e o coronavírus só faz a gente tossir e dá febre”, resume o menino, de 8 anos.
Do outro lado do pátio da escola, Um Mansur al-Qurum, de 65 anos, está soluçando. Um de seus vizinhos, que morava em seu bairro no leste da cidade de Gaza, acaba de lhe dizer por telefone que grande parte de sua casa foi totalmente destruída.
“A situação está insuportável. A guerra e o coronavírus ao mesmo tempo. Não consigo mais”, a mulher se desespera.