Da Folha de PE

A brasileira Paloma Aparecida Carvalho, 24, chegou a Dublin, na Irlanda, na terça-feira (18), com a expectativa de visitar amigos que fez no país entre 2015 e 2016, quando foi aluna de intercâmbio e “au pair” (babá). No entanto, após cerca de uma hora de conversas com funcionários da imigração do aeroporto, foi enviada à prisão.

“Foi uma humilhação inacreditável. Não desejo para ninguém. Fiquei sem comer nem dormir por todo o tempo na cadeia. Não conseguia e ainda não consigo entender o porquê de terem feito isso comigo”, diz Paloma à Folha de S.Paulo. Ela conta que chegou em Dublin na tarde de terça-feira (18), saindo da Suíça, onde tinha visitado os pais de seu noivo.

Carregando passaporte, passagem de saída, € 1.100 (cerca de R$ 4.000) e contatos de dois moradores locais em cujas casas ficaria hospedada, ela esperava entrar com tranquilidade no país. Não foi o que aconteceu.

“Assim que entreguei meu passaporte, a funcionária da imigração começou a me bombardear com perguntas sem deixar que eu respondesse até o fim. ‘Qual o seu intuito com a visita’? ‘Você esteve aqui em dezembro, por que já está voltando?’. E então ela começou a insinuar que eu estava mentindo, dizendo ‘por que você não me fala a verdade? Você não está entrando para trabalhar aqui?'”

Depois de 20 minutos, a brasileira diz que foi informada de que não entraria na Irlanda e seria deportada para a Suíça, de onde havia chegado. Como o próximo voo para lá seria apenas na quinta-feira (20), ela teria que esperar em uma “acomodação”.

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Ao entrar na prisão de Dóchas, deparar-se com o aparelho de raio-x e passar pela sessão de fotos para detentas, a ficha caiu: estava sendo presa.

“Me colocaram em uma salinha bem estreita e com chão molhado. E então me pediram para tirar toda a minha roupa. Tive que ficar pelada para mostrar que não estava carregando nada. Eles pegaram meus pertences e me deram um saco com roupa de cama, copo, pijama, toalha.”

Às 18h, havia se tornado uma detenta. Pouco depois teve acesso ao telefone, negado no aeroporto e na chegada à prisão. Ela, então, ligou para o noivo e para as pessoas que a receberiam.

“Foi uma cachorrada. Tenho passagem comprada para Dublin, mas agora eu tenho medo de ir visitar a minha filha. Se fizeram isso com uma menina, imagina o que não vão fazer com uma senhora que não fala inglês?”, diz Vandete Carvalho, 52, mãe de Paloma.

Em Dóchas (pronuncia-se “dó-rãs”), um presídio feminino de segurança média em Dublin- as celas são todas fechadas às 19h30. Um quarto do tamanho de “uns três passos longos”, com três camas, televisão e um banheiro. Paloma pediu água, a guarda orientou que ela tomasse da pia. Que estava coberta de vômito, já que sua companheira de cela, diz, era uma alcoólatra de 30 e poucos anos.

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“Tirei o lençol do saco para arrumar a cama. Estava completamente manchado de sangue velho, já marrom. A moça que estava na cela não parou de vomitar a noite toda. Não consegui dormir.”

Paralelamente, a alemã Karin Muller-Wieland, 38, da família que receberia Paloma em Galway, no outro extremo do país, buscava todos os meios possíveis de tirar sua “irmã” da prisão.

Ela procurou um advogado, que precisaria de 48 horas para enfrentar a burocracia judicial. Paloma seria deportada antes disso, na madrugada de quinta (20). Na embaixada brasileira em Dublin, Karin diz ter sido bem recebida, mas sem ajuda legal.

“Disseram que tem acontecido cada vez com mais frequência e que não teria o que fazer a não ser esperar a deportação”, conta a alemã.

Na manhã de quarta (19), após tentativas fracassadas de comer (“batata, carne e vegetais que pareciam vômito, e uma sopa que parecia diarreia. As funcionárias pegavam a comida com a mão mesmo, com luvas, e uma presa ao meu lado comia com as mãos também”), Paloma recebeu ligação de Karin, que dizia que não havia conseguido nada para tirá-la da prisão ou deportá-la mais cedo.

“Eu me sentia terrível por ter falhado com ela. Somos todos gratos à Irlanda, a Paloma também. Mas o sistema de Justiça falhou com ela.”

No final da tarde, a brasileira recebeu a notícia de que poderia sair. Sem perguntar os motivos, partiu em disparada. Antes de sair, teve de ficar nua mais uma vez para a revista. Então, foi informada de que poderia ficar dez dias na Irlanda antes de deixá-la.

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“Não nos falaram o porquê da soltura adiantada, mas provavelmente foi por causa da comoção pública. Falamos com nossos amigos, que também acionaram suas redes de contatos e o caso teve repercussão entre políticos, que se engajaram”, diz Karin.

Em Galway, Karin e Paloma, que tem sido acompanhada por um psicólogo desde o ocorrido, planejam o que fazer nos próximos dez dias.

Elas devem viajar para a casa dos pais de Karin. Nesta sexta (21) iriam estudar as medidas que podem ser tomadas contra o governo irlandês e também para preservar Paloma -como não recebeu o passaporte de volta, ela teme ter sua entrada dificultada na Europa daqui em diante.

Procurada pela Folha de S.Paulo, a embaixada da Irlanda enviou declaração do Departamento de Justiça e Igualdade do país, afirmando que não comenta casos individuais. “A Irlanda opera um sistema de imigração justo, seguro e efetivo. Os oficiais de imigração respeitam a dignidade de todas as pessoas e desempenham suas funções com profissionalismo e cuidado”, diz.

A embaixada do Brasil na Irlanda também enviou posicionamento, afirmando que já “registrou sua posição de desacordo com a prática de envio de brasileiros inadmitidos a centros de detenção.”