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Por Folha de Pernambuco

Copresidente do Painel Científico para a Amazônia, o climatologista Carlos Nobre está preocupado com o calor, a seca e o fogo, que continua a consumir vastas áreas da Floresta Amazônia e do Cerrado.

Ele adverte que, este ano, a mudança do clima pisou no acelerador global de desastres. Nobre diz que haverá mais ondas de calor no verão, mas, provavelmente, de duração menor, graças à umidade característica da estação.

O Acordo de Paris tenta limitar em 1,5°C a elevação da temperatura da Terra. A COP-28, em Dubai, começa no próximo dia 30, sem perspectiva de que isso será alcançado. O que significa 1,5°C de aumento?

Não parece muito, mas é uma brutalidade. Temos sofrido com dias em que a temperatura ficou cinco ou mais graus acima da média, passou fácil dos 40°C. Mas isso é a temperatura local, não do planeta.

Quando se fala de 1,5°C a mais, se leva em conta a temperatura média da Terra contando todas as estações, os lugares mais frios e quentes, tudo. Esse ano, estamos 1,4°C acima da média global de 1850 e temos sido cozidos vivos. Imagine ainda mais quente.

O IPCC alertou que, no atual ritmo de emissões de gases-estufa, chegaremos ao fim do século ou até antes a 4°C. O que isso significa?

Se a temperatura média da Terra se elevar a 4°C, um cenário provável se as emissões de CO2 continuarem a subir, as cidades tropicais e subtropicais do mundo se tornarão inabitáveis. O Rio teria mais de 300 dias por ano acima do limite de temperatura tolerável pelo ser humano. Temperaturas que matam idosos e bebês em meia hora e qualquer jovem saudável em duas horas. Nosso corpo não evoluiu para se adaptar a isso.

Mas esse ano temos um El Niño forte. Qual a influência dele?

Esse El Niño é forte, mas não tão intenso quanto o de 1997 ou de 2015-16. É poderoso, mas não está só. As chuvas no Sul do Brasil são causadas por ele. Mas há outras forças de magnitude planetária.

É o desequilíbrio das mudanças climáticas. São tão poderosas que se contrapõem ao El Niño em alguns casos. Tivemos um ciclone no Mediterrâneo que causou uma inundação no deserto da Líbia, incêndios de dimensões continentais no Canadá, calor recorde no Hemisfério Norte. Nada disso foi o El Niño.

A elevação da temperatura do Atlântico gerou furacões terríveis. O El Niño reduz furacões. Estamos no meio de uma queda de braço de forças climáticas planetárias.

Em que ponto estamos?

Precisamos reduzir as emissões. Os extremos, como o calor que tivemos agora, eram previstos para 2027. Mas o clima está mudando mais depressa.

É o ano mais quente desde 1850, quando começaram as medições. O mais tórrido dos últimos 125 mil anos, quando o mar estava sete metros mais alto.

Teremos outra onda de calor como a da semana passada?

Certamente teremos muito calor. Mas como o verão costuma ser mais úmido, as ondas podem não durar tanto. A não ser que tenhamos de novo um sistema de alta pressão como o de 2014 e 2015, que deixou o Sudeste por mais de 40 dias sem chuva em pleno verão.

A Amazônia atravessa uma seca iniciada antes de o El Niño se manifestar com força e atribuída ao Atlântico Norte. E agora, que nos aproximamos do período de maior atividade do El Niño?

A seca na Bacia do Rio Negro já é a pior da História. E a seca deve se alastrar, sobretudo, pelo Sul, Sudoeste e Leste da Amazônia. Haverá menos chuva na estação chuvosa e no ano que vem, nos meses de estiagem (maio, junho e julho), a floresta estará mais seca e vulnerável a grandes queimadas.

Esse ano tivemos uma redução muito expressiva do desmatamento, que caiu 22,3%. Mas ainda assim o risco permanece grande?

O desmatamento tem que ser zero. Da Bolívia ao Atlântico, a floresta está mais seca. E sofre o impacto do desmatamento e da degradação acelerados dos últimos anos. A floresta é uma usina de umidade, mas essa usina está cada vez mais fraca.

Por que?

As grandes árvores armazenam a água da chuva a até cerca de 12 metros de profundidade. As raízes bombeiam essa água para a superfície e as folhas transpiram e devolvem a umidade para o ar. Esse processo é mais intenso na estação seca e favorece a estação chuvosa e a distribuição de umidade.

Mas com o desmatamento e secas frequentes, há cada vez menos água disponível. A estação seca já é quatro semanas maior no Sul da Amazônia. Isso acontece ao ritmo de uma semana por década.

E o que isso significa?

Que em duas décadas de 40% a 70% da floresta poderão ter sido perdidos e virado savanas. Teremos um desastre climático e de biodiversidade, plantas e bichos não conseguem se adaptar tão depressa. O resultado é a extinção em massa.

Qual o impacto da atual seca amazônica no restante do Brasil?

É sobretudo no Cerrado. Quando seca na Amazônia, diminuiu a distribuição de umidade e, logo, de chuva. O ar chega mais seco ao Cerrado e piora a situação no norte do bioma.

Na Região Sul, o El Niño bloqueia as frentes frias e compensa a redução dos rios voadores carregados de umidade vindos da Amazônia.

E qual o futuro da Amazônia?

Cerca de 20% da floresta já foi desmatada. Se chegarmos a 25% e a temperatura global se tornar de 2°C a 2,5°C mais alta, ela entrará num processo de destruição sem volta. As florestas hoje removem cerca de 33% do CO2. Mas no Sul da Amazônia, devido ao desmatamento, ela passou a emitir em vez de absorver CO2.