Em meio à repercussão negativa e da pressão de entidades da sociedade civil, a Câmara dos Deputados decide nesta quarta-feira (18) se dobra a aposta e mantém de pé o projeto que diminui a transparência e afrouxa o controle sobre o uso das verbas públicas para partidos e candidatos.
O texto foi rejeitado em quase sua integralidade nesta terça-feira (17) pelo Senado, mas, pelas regras do Legislativo, nesse caso cabe aos deputados a palavra final. Na manhã desta quarta-feira as bancadas partidárias vão se reunir na Câmara para deliberar sobre o assunto. A votação está prevista para a parte da tarde e noite. O que for aprovado segue para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro, que tem até 15 dias úteis para tomar uma decisão. Para valer nas eleições de 2020, qualquer nova regra tem que estar em vigor até 3 de outubro.
Com o aval dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o projeto de lei tramitou primeiro pela Câmara e foi aprovado no último dia 3, em uma votação relâmpago, por 263 a 144. Depois, seguiu para o Senado, que tentou fazer o mesmo, mas acabou cedendo à pressão contrária. Com isso, o texto volta aos deputados para uma segunda análise. Reunidos na noite desta terça, líderes e presidentes de vários partidos decidiram manter a intenção de rejeitar a decisão do Senado e resgatar a proposta que haviam aprovado. O martelo, porém, só será batido nesta quarta-feira.
Para tentar amenizar o desgaste, ficou acordado que alguns pontos podem ser retirados, entre eles o que permite às siglas apresentar prestações de conta em qualquer sistema informatizado disponível no mercado -o que acaba com a padronização usada pela Justiça Eleitoral e dificulta em muito a fiscalização das autoridades e dos eleitores.
O PSL de Bolsonaro tem adotado uma posição dúbia nessa discussão. Na primeira votação na Câmara, orientou até o final o voto favorável à medida, mudando de posição apenas no último minuto, após todos os parlamentares já terem votado. De 48 votos, 38 foram contrários ao texto -entre eles o de Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente da República- e 10, a favor, entre eles o do líder da bancada, Delegado Waldir (GO). O presidente do PSL, o deputado Luciano Bivar (PE), se ausentou na votação.
Principal partido de oposição, o PT votou em massa a favor do projeto -46 a 1 (só Vander Loubet, do Mato Grosso do Sul, ficou contra). Ao todo, 15 partidos apoiaram a medida na Câmara. Conforme a Folha de S.Paulo antecipou na última sexta (13), o projeto está recheado de pontos contrários à transparência, fiscalização e punição de irregularidades eleitorais e partidárias.
Além da regra que acaba com a padronização na prestação de contas partidária, há a liberação do uso do dinheiro público para compra de passagens aéreas até para não filiados, aquisição de sedes para as agremiações, além de contratação de advogados para atender a interesses diretos e não diretos do partido e de seus filiados.
A punição para eventual mau uso da verba fica praticamente inviabilizada. Isso porque seria preciso provar dolo do dirigente partidário ou do candidato, ou seja, que ele agiu com conhecimento e intenção de cometer um crime. Erros, omissões e atrasos na prestação de contas seriam perdoados se fossem corrigidos até o julgamento, benefício que seria estendido a todos os casos em andamento.
Outro ponto bastante questionado é a possibilidade de uso das verbas para contratar consultoria contábil e advocatícia para “interesse direto e indireto do partido”, sem que esse valor conte para o teto de gastos das campanhas -ampliando as brechas para o caixa dois, segundo especialistas.
Atualmente, siglas e candidatos são bancados por dois fundos públicos, o partidário (que distribui cerca de R$ 1 bilhão anualmente às 33 legendas, proporcionalmente ao seu tamanho) e o eleitoral (que distribuiu R$ 1,7 bilhão na disputa de 2018 e pode ter o valor majorado em 2020).
MUDANÇAS ELEITORAIS
O que previa o projeto inicial?
O texto que saiu da Câmara, entre outras coisas, ampliava brechas para caixa dois e reduzia a possibilidade de punição por irregularidades, além de esvaziar os mecanismos de controle e transparência no uso de verbas públicas eleitorais
O que decidiu o Senado?
A Casa chegou a tentar um acordão com o governo para aprovar o projeto inicial, mas desistiu. O texto que foi aprovado no plenário prevê apenas a manutenção do fundo eleitoral, verba pública que financia campanhas. A previsão é que o valor seja o mesmo de 2018, R$ 1,7 bilhão
O que acontece após a aprovação do projeto no plenário do Senado?
Como sofreu alterações, o texto volta para a Câmara para a apreciação dos deputados
Por que há pressa para que o projeto seja aprovado?
Mudanças na lei eleitoral precisam ser aprovadas até 1 ano antes da data do primeiro turno para que tenham validade já na eleição seguinte. Nesse caso, para que passem a valer em 2020, as regras precisam ser sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro até 4 de outubro. Se o projeto não for sancionado até essa data, não haverá fundo eleitoral para financiar as campanhas dos candidatos a prefeito e vereador
PONTOS PREVISTOS NO PROJETO DA CÂMARA E REJEITADOS NO SENADO
Prestação de contas
Torna facultativo o uso do sistema da Justiça Eleitoral, o que permitiria a cada partido usar um modelo diferente de prestação de contas, derrubando a padronização e dificultando em muito a fiscalização pública e por parte das autoridades
Punição
Erros, omissões e atrasos serão perdoados caso sejam corrigidos até o julgamento da prestação de contas. Além disso, só haverá punição caso seja provado que o partido agiu com dolo, ou seja, com pleno conhecimento de que estava cometendo uma infração.
Contabilidade de gastos
Doações recebidas pelos candidatos para gasto com advogado e contabilidade não entrarão na conta do teto de doação e gasto eleitoral. Isso cria espaço para caixa 2 travestido de serviço advocatício ou contábil
Conteúdo na internet
Hoje, partidos não podem gastar verba do fundo partidário impulsionando conteúdos na internet. Se o projeto for aprovado, isso passa a ser permitido
Participação feminina
Partidos têm que destinar ao menos 5% do que recebem do fundo partidário para promoção de políticas de estímulo à participação feminina na política. O projeto prevê que as legendas possam criar instituto com personalidade jurídica própria para gerir essa verba, o que livra dirigentes de punição por eventual aplicação irregular
Fichas sujas
Problemas que possam barrar a candidatura dos políticos devem ser aferidos até a data da posse, não mais no momento do pedido de registro.