Carnaval de ST nos anos 70O caso eu conto como o caso foi. Volto  a escrever estas mal tecladas linhas depois de uma longa ausência deste boletim eletrônico numa de edição extraordinária. Noves fora nada, gosto de escrever com tezão, um misto de paixão pelo alfabeto e um formigamento nas pontas dos dedos. Arriégua! Mas após esta enrolação, trago notícias de Água Branca, minha terra amada e meu refúgio. Meu éden neste planeta de expiação

Senhoras e senhores o bicho pegou na terra do filósofo Chico Preá, e o grande culpado foi o prefeito Luciano Duque, que resolveu decretar o fim do carnaval e mergulhar nas areias brancas e limpas do litoral. Dizem as más línguas que Duque encontra-se a 12 dias fora de Serra Talhada. Mas isto é uma outra história, meu caro faroleiro. Mas o caso eu conto como o caso foi.

No domingo de Carnaval a turma de Água Branca costuma sair com o bloco “Quem vai entrar na Vara”. Uma brincadeira sadia onde os homens se vestem de mulher, Barrufa pega um fole de oito baixos e todos saem pelas pequenas ruas do vilarejo espalhando alegria. No final, todos elegem um personagem para entrar na Vara. Explico: um personagem que fez algo errado (na ótica dos foliões) e ameaçam entrar com o sujeito na Justiça. Portanto, para os amigos e amigas mais calientes, este é único tipo de vara permitido na troça.

Pois bem. Era 5h30 da manhã do domingo quando recebo a ligação telefônica de Chico Preá. Pra variar… sempre a cobrar. Atendi o chamado ainda meio sonolento quando Chico Preá sapecou:

– Como é, tu vem ou não vem entrar na vara?

– Peraí meu irmão, um trote fulero no domingo de carnaval?

– Trote uma ova. Aqui quem fala é Chico Preá, o filósofo de Água Branca, e nós tamo te esperando pro nosso bloco. Você tem que aparecer porque o prefeito Luciano Duque vai brincar com nóis, no meio dos pobe. Portanto, é uma pauta deveras periclitante.

Também foi dando o recado e desligando o telefone. Um recado de Chico Preá tem a força de uma intimação. Se você não for, é negócio pra confusão das muitas. Agora, minha missão era dobrada: explicar para todos que o prefeito não se encontrava em Serra Talhada. A confusão estava montada.

Arrumei meus piquai e me danei para o paraíso. Terra onde se valoriza a amizade como em nenhum outro lugar deste planeta. O caso eu conto como o caso foi. Debaixo do pé de umbuzeiro a festa já rolava. Chico Préa e Zefinha, Barrufa, Tonho Pé de Bomba, Chico de Mané de Lero, Manezin Patola, Berualdo e todos os pinguços do entorno. Já tinha camarada caindo pelas tabelas. “Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim” era a marchinha que rolava na hora da minha chegada. Quando me viram, o sanfoneiro deu um breque que deixou cair duas notas musicais no chão. Se não me engano, foram o sibemol e o dó maior.

-Perái, tu veio sozinho? cadê o prefeito Luciano Duque? questionou Chico Preá em busca de respostas. Expliquei que o prefeito não viria pois também é filho de Deus e estava cansado de carregar pedras e foi para beira do mar.

– Não mil vez não isto não pode acontecer. Uma desfeita pra nóis de Água Branca. Ômi, se fosse em época de eleição este cabra estava aqui, rebateu Tonho Pé de Bomba, que mais parecia um Barrabás. Manezin Patola começou a correr ao redor do umbuzeiro feito um louco a gritar: “O prefeito trocou a bodega de Terto e a nossa bica pelas águas salgadas de não sei onde. Nos fomo traido… meu Deus”. E danou-se a chorar.

Em seguida, Chico Preá deu um breque na confusão e anunciou o decreto. “Pessoal, quem ia entrar na Vara este ano era Giovanni Sá, que passou um tempo sumido de nóis. Mas agora não tem jeito. Quem vai entrar na Vara é o prefeito porque isso não se faz com a república independente de Água Branca. Jornalista sem futuro, tu foi salvo por Duque. Agora não tem mais jeito, a madeira vai deitar”.

Aliviado, tomei uma lapada de cana e acompanhei o cortejo até a rua principal. A alegria voltou a reinar, o fole a roncar e a modinha era essa. Favor cantar ao som de “As águas vão rolar”. Eis o hino oficial: “A vara vai entrar e o prefeito não vai escapar, eu vou tomar pitú com saca rolha, ninguém aguenta, a vara é nossa”.

Um bom domingo para todos e até a próxima. O caso eu conto como o caso foi.