Do Diario de PE

Pela primeira vez desde 1945, a Itália pode ser governada por uma liderança pós-fascista. Em uma vitória histórica, o partido fundado por Giorgia Meloni e seus aliados conservadores conquistaram ampla vantagem na Câmara dos Deputados e no Senado, com 44% dos assentos em ambas as casas. O Irmãos da Itália consolidou-se como maior força e, segundo as pesquisas de boca de urna, obteve entre 26% e 26,1% dos votos, respectivamente, muito acima dos aliados do Liga, de Matteo Salvini (8,9%-8,8%), e do Força Itália (8%-8,2%), de Silvio Berlusconi.

Admiradora, na juventude, de Benito Mussolini e conhecida pela linguagem direta e eficaz desde seus anos como líder estudantil em Roma, Meloni, 45 anos, pode se tornar a primeira mulher a chegar à chefia de governo na Itália. “Se fomos chamados a governar esta nação, o faremos por todos os italianos”, discursou, às 2h30 (hora local) de hoje. Com os aliados, ela promete cortes de impostos e bloqueio dos imigrantes que cruzam o Mediterrâneo, além de uma política familiar ambiciosa para aumentar a taxa de natalidade, em um dos países com mais idosos no mundo.

O Partido Democrático (PD), principal formação de esquerda, não conseguiu mobilizar o eleitorado para frear o avanço da extrema direita, e precisou se conformar com uma cifra oscilando entre 17% e 21%. Já os antissistema do Movimento 5 Estrelas (M5E) obtiveram entre 13,5% e 17,5% dos votos, abaixo da pontuação histórica de mais de 30% alcançada em 2018, porém acima do que apontavam as pesquisas de opinião. De acordo com o centro de estudos italianos Cise, confirmada a boca de urna, a coalizão de direita obteria a maior porcentagem de votos registrada por partidos de direita na Europa ocidental desde 1945.

Salto

A ascensão vertiginosa de Giorgia Meloni se deve em grande parte ao fato de ela ter sido a única que se opôs ao governo do economista Mario Draghi por 18 meses, alinhando-se ao descontentamento dos italianos diante da inflação, da guerra e de restrições durante a pandemia. O desempenho da líder nas urnas representa um imenso salto, já que nas legislativas de 2013, o Irmãos da Itália, então com um ano de formação, não chegou a 2% dos votos.

Com o país mergulhado em instabilidade política e econômica, os italianos não se animaram a participar das eleições. O comparecimento foi abaixo do esperado, com uma taxa de abstenção recorde, de 36%.

A vitória de uma líder antieuropa e nacionalista levanta muitas questões no continente e muda a face da Itália, uma vez que colocaria em questão sua posição sobre a União Europeia. Giorgia Meloni defende a revisão de seus tratados e até a sua substituição por uma “confederação de Estados soberanos”.

A representante do pós-fascismo, que não tem medo de defender uma direita pura e dura, identifica-se com o lema “Deus, pátria e família”, e promete lutar contra os grupos de pressão gay e as “teorias de gênero”. Agora, ela se converte em figura-chave para um eixo radical de direitas na Europa, que passa por Suécia, Polônia e Hungria. “Precisamos mais do que nunca de amigos que compartilhem uma visão e uma abordagem comuns da Europa”, reagiu um porta-voz do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, no Twitter, comemorando os resultados das eleições.

“Giorgia Meloni mostrou o caminho para uma Europa orgulhosa, livre e de nações soberanas, capaz de cooperar para a segurança e prosperidade de todos”, escreveu na mesma rede social o espanhol Santiago Abascal, do ultraconservador Vox. Também no Twitter, o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, felicitou a colega italiana.

Obstáculos
O governo que sair das eleições tomará posse no fim de outubro e terá um caminho cheio de obstáculos e sem muita margem de manobra. Terá que administrar a crise causada pela inflação galopante, enquanto a Itália já está em colapso sob uma dívida que representa 150% do Produto Interno Bruto (PIB), a mais alta da zona do euro, atrás da Grécia.

Apesar dos resultados nas urnas — que serão confirmados oficialmente hoje —, há tempo de sobra para conchavos políticos. Uma ameaça potencial de fratura na coalizão com Matteo Salvini e Silvio Berlusconi é o alinhamento de Giorgia Meloni com a Ucrânia, enquanto os dois líderes de direita defendem Putin. Analistas políticos, porém, acreditam que, no governo, a pós-fascista suavize o apoio às sanções impostas à Rússia, e impopulares em grande parte da Itália.

Discurso extremista

No último comício de que participou antes das eleições, na última sexta-feira, em Nápoles, encravada na área mais pobre da Itália, Giorgia Meloni prometeu cumprir integralmente o seu mandato de primeira-ministra, caso fosse eleita. “Vamos ficar cinco anos no governo”, bradou. Com um tom de voz muito bem-preparado para cativar as centenas de pessoas que a escutavam à beira-mar, bateu no peito e disparou: “Sou patriota”. Defendeu a família, atacou políticas de imigração e criticou o programa de salário mínimo adotado com o apoio do Movimento 5 estrelas, seu principal inimigo na região.

Nacionalista, Meloni, 45 anos, líder do partido Irmãos da Itália, promete fazer história. Além de levar a extrema-direita ao poder depois de décadas, pode ser a primeira mulher a chefiar o governo. A história dela na política começou como líder estudantil em Roma. Já naquela época entoava um discurso extremista e conservador e não se intimidava em dizer que tinha como ídolo Benito Mussolini, símbolo do fascismo. No início, dividiu a militância política em associações estudantis de direita radical, as quais define como “minha segunda família”, com os trabalhos de babá e camareira.

Não demorou muito para chegar à Câmara de Deputados, onde está desde 2006. Naquele mesmo ano, obteve licença para atuar como jornalista. Em 2008, foi nomeada ministra da Juventude no governo de Silvio Berlusconi, que agora está no seu palanque como candidato a senador. Em 2019, pouco antes da pandemia, Meloni colocou em marcha o plano para ocupar o cargo mais importante da Itália. Passou a atacar o governo de Mário Draghi e começou a chamar a atenção do público por sua juventude e personalidade forte.

Nas redes sociais, usa sempre um bordão: “Giorgia. Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã”. A possível primeira-ministra, por sua vez, não expõe muito sua vida pessoal e mantém os holofotes distantes da única filha, de 16 anos. Por seu discurso machista e reacionário, tem mais votos entre os homens. Recentemente, Meloni irritou as italianas ao retuitar um vídeo de uma mulher sendo estuprada em uma rua porque o crime foi cometido por um imigrante. Questionada, ironizou: “Eu sou uma mulher, então, dizer que você não é uma mulher se você diz as coisas que eu digo, francamente, me faz rir”.