O sol havia perdido o brilho para a noite. Os seres noturnos saíam de suas tocas procurando suas presas dentro do próprio habitat. Milhares de pessoas se encontravam freqüentemente circulando no mesmo ponto, indo e vindo na mesma direção, ansiosos pela hora sublime em que o som faria a sua parte, liberando todos ao centro mágico da dança. Jovens casais felizes, adultos e veteranos de pista, crianças correndo entre a multidão, todos em sintonia com o ambiente. Cada um sabia qual era o seu papel, interpretando como desejavam mudar o roteiro sempre que tivessem vontade. Eram autores e atores de situações inusitadas. Desejos explícitos em cada rosto, vibração em cada olhar e satisfação em cada sorriso.

A fumaça anunciando que o oxigênio deixara de ser puro, gente nervosa em vários pontos denunciando que o álcool fora consumido em grandes proporções. Policiais em correria tentando manter a paz num lugar livre e tão degradante.

Conhecidos cumprimentando uns aos outros com diversas formas de abordagem. Solitários buscando através da paquera, ora bem sucedida, ora mal sucedida, na berlinda de mais uma noite ofuscada ou salva por um olhar, um sorriso, um sim. Um giro, uma volta, um abraço, um beijo, um romance. Eternos colegas se cumprimentavam, jovens mulheres o paqueravam, sem êxito.

Ele recebia inúmeros convites para uma dança, uma conversa, um drinque. Nada fizera, nem demonstrara interesse, estava preocupado com o mau humor da parceira, sempre bem vestida, perfumada. João Aroeira sabia que não podia ultrapassar a barreira dos costumes impostos pela sociedade e cair naquele mundo amplo e convidativo, esperar ali mesmo o sol nascer novamente. Nada daquilo o entusiasmava, desejava mesmo era estar nos braços da amada, ato raro nos últimos oito meses devido às freqüentes viagens dela que trabalhava numa Instituição estadual.

Sentia-se impotente por não conseguir proporcionar felicidades, decepcionado por permitir a infelicidade tomar conta dos seus sentimentos sem impor limites, tentando a todo custo ser acompanhante em um mundo que não era seu, por circunstância da fraqueza visitou e não gostou.

Tropeçou num casal, pediu desculpas e saiu por entre as pessoas extasiadas, se afastando sem saber pra onde, sem saber procurar o que buscava, ansiava apenas por um lugar onde pudesse respirar um pouco de oxigênio puro, ficar sozinho por alguns instantes, refletir sobre as condições do encontro que teria em breve com a amada.

A solidão sempre o fascinava, as músicas tristes penetravam facilmente, a chuva proporcionava paz física e espiritual, fazendo-o transportar os desejos para além da compreensão humana.

Seu coração estava protegido contra invasores, pois mesmo navegando nos enigmas impossíveis de decifrar os sonhos, mistérios, medos, segredos, mesmo assim era um passageiro do mesmo vôo, da mulher que amava verdadeiramente. Alguém do seu começo, atravessando o tempo e pousando em seu coração sem pedir licença, pois sempre fora seu lugar.

Ainda estava percorrendo os labirintos nebulosos da mente que planejava usar todos os verbos para desabafar e eliminar todas as dúvidas que o consumia. Daquela noite não passaria sem uma resolução, não desistiria, precisava enfrentar, mesmo sabendo que corria o risco de ser o único perdedor numa luta sem batalhas. O frio já ensaiava penetrar sua pele quando um veículo estacionou no meio fio próximo dele. Uma mulher saiu do carro e se encaminhou até onde ele estava.

─ Oi meu amor, desculpe pelo atraso, a estrada não está em perfeitas condições.

─ Tudo bem. ─ falou ele, dando uma pausa. Em seguida complementou ─ Como foi o encontro?

─ Produtivo. Vamos pra casa? Está ficando frio.

Abraçaram-se num longo beijo. Depois se encaminharam para o veículo. Todo o planejamento dele havia sido destroçado diante do amor que sentia por ela. Preferiu mais uma vez engolir o medo e desfrutar de uma onda de carinho de uma noite que estava apenas começando. Não deixou o ciúme dominá-lo, precisava usufruir o intervá-lo de alguns dias ao lado da amada, antes da próxima viagem dela. Já estavam chegando em casa quando ele conseguiu pronunciar:

─ Eu te amo!

─ Eu também te amo muito, respondeu ela.

 

* Antônio dos Anjos, mais conhecido por Viola, é poeta e escritor. Membro efetivo da União Brasileira de Escritores  (UBE-PE) e presidente da Academia Afogadense de Letras (AAL). Autor de: Marcas de um Amor (2001); Filosofando a Vida (2008).