Foto: Sergei Bobylyov/Sputnik/AFP
Folha de Pernambuco
A cúpula dos Brics na África do Sul na próxima semana gerou controvérsias que pediram, apesar da ausência do presidente Vladimir Putin, a força dos vínculos entre a Rússia e a África do Sul, que remonta ao apoio soviético à luta contra o Apartheid.
O compromisso, que às vezes parece ir contra os interesses comerciais e diplomáticos da África do Sul, está sob intenso escrutínio desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022.
A África do Sul se absteve de condenar a intervenção, em uma atitude que chegou a ser interpretada como apoio a Moscou.
A longa espera sobre uma eventual presença de Putin junto aos principais líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), alimentou as especulações.
Putin, alvo de um mandado de prisão internacional, decidiu finalmente permanecer no seu país, evitando criar um problema espinhoso para o seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa.
O Congresso Nacional Africano (ANC), partido no poder na África do Sul desde 1994, forjou fortes laços com a extinta União Soviética durante décadas de luta contra o Apartheid, o sistema de segregação racial imposto pela minoria branca.
“Pode-se dizer que a aliança é uma amizade construída com sangue… e balas”, explicou a analista política Sandile Swana.
Um casal atípico
O ANC e o partido de Putin, Rússia Unida, formam “um casal politicamente atípico”, afirma Steven Gruzd, do Instituto Sul-Africano de Relações Internacionais (SAIIA).
O primeiro, explica, pende para a esquerda e defende os direitos da comunidade LGBTIQ+, enquanto a Rússia Unida defende os valores nacionalistas e está muito ligado à Igreja Ortodoxa Russa.
Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial da África do Sul depois da China.
Acusações recentes de que a África do Sul entregou armas à Rússia, secretamente, levou o governo dos Estados Unidos a ameaçar o país africano com a exclusão de um importante pacto comercial, o que preocupou empresas e partidos da oposição.
O ANC denunciou uma tentativa de “intimidação”.
Em junho, Ramaphosa liderou uma missão de paz a Kiev que permitiu fortalecer sua postura de “neutralidade” neste conflito.
Ramaphosa conseguiu “falar diretamente” com os ucranianos e avaliar a situação por si mesmo, afirma Dzvinka Kachur, da Associação Ucraniana da África do Sul, que acredita que Moscou consegue manipular e construir sua imagem na África.
O dinheiro também conta
Para Putin, a África do Sul é a porta estratégica para um continente que se tornou um campo de batalha diplomático.
“O ANC claramente vê algo mais na Rússia de Putin, algo a que aspira”, escreveu Richard Poplak, colunista do Daily Maverick. “A Rússia é como um farol na colina, uma autocracia que brilha e ilumina o caminho para o governo eterno”, disse ele em um texto publicado em julho.
O dinheiro também conta.
De acordo com Grudz, o ANC, sem dinheiro, poderia abordar Putin, na esperança de obter ajuda financeira.
No ano passado, o país recebeu mais de US$ 800 mil de uma mineradora ligada a uma magnata russa sob garantia dos Estados Unidos.
“O ANC se coloca do lado da Rússia pela única razão de que a financia”, embora, desse modo, Moscou esteja “se infiltrando e desestabilizando a democracia sul-africana”, disse o líder da oposição John Steenhuisen em maio.
Tokologo Ngoasheng, um dirigente do ANC em Joanesburgo, responde que o partido também recebeu doações de “empresários americanos”.
“Só é um problema quando são os russos que apoiam o ANC”, e isso “não é justo”, acrescentou.