Do G1

Infância é tempo de brincar, de desenvolver as emoções e aprender com quem está em volta quais os caminhos a se trilhar. Mas, em meio a esse universo de tanta pureza, pode haver ameaças que vem de onde menos se espera.

Uma criança de 12 anos perdeu a infância depois que sofreu abuso sexual dentro de casa em Caruaru, no Agreste de Pernambuco. Quem praticou o crime foi o cunhado, que é marido da irmã da menina. “Uma vez minha irmã veio dormir aqui [na casa da vítima], eu voltei da escola, no dia choveu… Quando foi na madrugada, ele ficou me alisando”, disse a garota que não foi identificada.

A descoberta do crime foi um choque para toda a família. O pai da vítima disse que não tinha percebido o abuso, mas vinha notando a filha com um comportamento diferente. “Ela tinha relatado [o abuso] para a mãe dela, e a gente tomou as providências. Fomos na delegacia. Eu jamais podia imaginar uma coisa dessa natureza”, falou.

A criança foi pedir ajuda às amigas que frequentam a mesma igreja que a família dela, só que o marido de uma dessas mulheres, que era diácono da igreja, acabou abusando sexualmente da menina, que tinha ido à casa dele pedir ajuda.

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A mãe da criança ficou muito abalada quando descobriu a história e teve dificuldade de lidar com a situação. “Ela [a menina] jogou feito uma bomba em cima de mim. Ela ficou assim, com medo. Ela fez assim: ‘Mamãe, me diga uma coisa, será que todo homem que se aproximar de mim vai querer fazer isso?’. Ela não consegue demonstrar, chorar… Ela se tornou uma pessoa mais dura”, ressaltou.

Dados de violência

De janeiro a outubro de 2018, 6.853 crianças e adolescentes, até 17 anos, foram vítimas de abandono, maus-tratos e violência sexual em Pernambuco. De acordo com o Disque-Denúncia, durante todo o ano passado, 7.173 casos foram registrados no estado.

Em Caruaru, o Disque-Denúncia recebeu 447 registros de violência infantil em 2017. Casos de violência contra criança devem ser tratados pelas autoridades como prioridade de acordo com a lei.

Conselho Tutelar

Quando as autoridades identificam que há criança em situação de risco, instituições como o Conselho Tutelar, com a ajuda da Justiça, age para garantir proteção. A porta de entrada na rede de acolhimento é a casa de passagem, na qual as crianças podem ficar por até dois dias até que haja uma solução para o caso.

Em Caruaru há três casas de acolhimento. Cada uma atende em média 20 crianças. Uma delas só recebe as que são de uma mesma família para manter os irmãos em um mesmo espaço. Há uma casa que atende crianças com até 9 anos, e outra que acolhe quem tem entre 9 e 18 anos.

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As crianças recebem o acompanhamento de psicólogos, assistentes sociais e cuidadores que atuam 24 horas por dia. Todo o trabalho é feito para que as crianças se sintam acolhidas e superem as agressões que sofreram.

A lei recomenda que as crianças fiquem até um ano e meio em casas como essa. Esse é o tempo estipulado para que a família melhore as condições de vida pra voltar a receber os filhos ou, se isso não acontecer, é o prazo para que as crianças sejam adotadas. Mas nem sempre tudo se resolve nesse período e às vezes elas precisam ficar por mais tempo nas casas de acolhimento.

Juiz que foi adotado

José Fernando Santos é juiz. Ele trabalha na Vara da Infância e da Juventude, que defende os direitos da criança. “O que é importante na adoção é, primeiro, você tem que estar convicto de que quer adotar”, pontuou.

O juiz fala sobre o assunto com propriedade porque viveu na pele o que sente uma pessoa que foi abandonada. Quando era criança, a mãe biológica, que não tinha condições de criá-lo, o colocou dentro de uma caixa e foi até uma praça em uma cidade da Paraíba para entregá-lo a alguma família interessada.

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Depois que pegou José Fernando, a família o registrou e passou a cuidar dele, oferecendo educação e carinho. O menino que foi doado em uma caixa no meio de uma praça hoje é pai de três filhos e se tornou o juiz de direito que é responsável pelo setor de adoção em 16 municípios do Agreste de Pernambuco.

“Eu acho que cada um que ver essa reportagem vai tirar suas conclusões de o que foi que fez um menino vir de uma caixa de sapato chegar a ser magistrado. Foi amor, carinho e muita educação”, destacou o juiz.

*A reportagem faz parte da série “Faces da Violência: Vidas Transformadas” e contou com a produção de Geisebel Santos, imagens de Matheus Guerra e edição de Tânnia Marinho e Elane Andreza.