Por Roberto Assunção Junqueira, eleitor serra-talhadense
Era sexta-feira. Minha esposa me acorda e com uma voz baixa, quase que sussurrando, para não acordar meus três filhos, diz: – hoje terá carreata de um (a) candidato (a) a prefeito (a).
Nunca apreciei participação em campanhas eleitorais, muito menos carreatas. Logo, para mim, o sentimento foi de total indiferença, a não ser pela preocupação de se precaver a qualquer infortúnio em relação à programação em eventual saída de carro com a família.
Eu havia me esquecido de como eram desordenados e barulhentos esses “atos políticos”. São épocas que remetem à falta de tranquilidade. Talvez, pelo fato de isso acontecer de dois em dois anos, acabei esquecendo a antipatia que tenho por tais atos.
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Era início da noite, resolvemos ficar em casa, em um dia “normal”, que tanto apreciamos. Jantamos e nos sentamos à frente da televisão para ver “Pocoyo”. Meu filho de 3 anos e minha filha de 2 anos adoram. O maior, de 6 anos, não faz tanta questão. Mas curte a sensação de estar na frente da TV.
Tudo estava como deveria ser, até que ouvi um som vindo da porta da sala, como se fosse um “vibrar”. Logo ouvi o som de uma música “legal” de campanha política que passava na rua e percebi de imediato que o vibrar da porta acontecia devido ao som nada razoável que vinha das ruas.
O barulho fazia sentirmos a casa toda tremer, e a cada minuto em que se aproximava mais o “paredão de som”, a perturbação sonora ficava mais irritante. Sem falar do barulho desenfreado das motos e seus canos de escape adulterados, as buzinas e o total desrespeito às leis de trânsito. Acabou-se a calmaria. Acabou-se a civilidade. Vale tudo.
Minha filha chorava, gritava e se abraçava forte à minha esposa. Uma observação pertinente: Ana Laura, possui TEA – Transtorno do Espectro Autista, nível 2 de suporte. O meu filho mais velho estranhou aquela barulheira e com os olhos “arregalados”, olhando para a rua, perguntou: “ o que é essa festa pai? “e emendou: “eles vão quebrar nossa porta”.
Com sentimento de impotência, controlei a ira e fiquei sem ação para sua observação. Mas lhes apresentei a campanha eleitoral de Serra Talhada que havia começado no dia 16 de agosto. Tentei levar os dois mais velhos para frente da residência para se distraírem com o “movimento diferente”. Tentativa frustrada. Até foram ao portão, porém ficaram inquietos e com medo.
Retornei com eles para dentro de casa. A pequena Ana Laura, agora com abafadores de som, não mais gritava, porém, se acabava no choro. Ela reage muito mal a sons altos. Essa carreata ocorreu há alguns dias. Era só o começo da campanha.
Não é difícil de ver uma cena dessas. Não é raro as pessoas se incomodarem com os atos políticos dessa dimensão. É comum encontrar pessoas que se afetam negativamente por ocasiões de barulho excessivo, principalmente os idosos, as crianças mais novas e os doentes. Sem esquecer, é claro, o quanto isso afeta os pobres indefesos dos animais.
Paredões, caixas de som, amplificadores, diversos equipamentos de som fazem a festa, a alegria e a “propaganda eleitoral” dos que participam do ato, ao passo que perturbam a mente dos que reprovam tanta algazarra.
Posso ser alertado por algum leitor desse texto de “que é uma minoria que não se agrada da festa que é a campanha eleitoral nesses moldes”. Será? Tenho sérias dúvidas. Registro aqui que, independentemente de sermos minoria, deveria ser dado o mínimo respeito ao eleitor e, antes de tudo, ao ser humano.
Pois bem, candidatos se esbaldam em promessas, planos e projetos para melhorias na cidade em caso de vitória, indicando que ao assumir a gestão municipal irá honrar seus compromissos.
Surge então a clara contradição no seguinte: como que, antes mesmo de assumir qualquer cargo eleitoral, ou ainda, se postulando para assumir novamente o cargo concorrido, afronta de maneira totalmente desrespeitosa o povo serratalhedense. Mais uma vez, reforço, não importa aqui se é minoria, o que importa é a violação clara ao direito do bem estar público.
Por ironia, visualizei outro dia, em um status de um familiar, por meio do whatsapp, uma arte elaborada pela campanha de um(a) candidato(a) que mencionava um discurso em uma Convenção: “…Tenho a missão de fazer de Serra Talhada uma cidade cada vez melhor para se viver. Uma cidade que RESPEITE seus moradores…”.
Dizia o trecho de belíssimo discurso, digno de ser incluído na cartilha para os políticos, mas que me causou embrulho no estômago.
Explico: Como que o(a) mesmo(a) candidato(a) que dias antes estava na maior arruaça em frente à minha casa, perturbando o sossego de vários, se manifestava de forma tão hipócrita. TODOS candidatos se utilizam do mesmo instrumento de campanha, é o mesmo modus operandi, mesma forma de agir.
Oposição, situação, todos estão no mesmo barco. Trouxe, aqui, apenas uma ilustração clara da simulação dos políticos, cuja preocupação não parece ser, ao menos nessa época, o bem estar social e individual do povo, mas meramente sua eleição ao almejado cargo.
Caros, é bem verdade que é essencial para nossa democracia defender o direito dos candidatos de se apresentarem, de exercerem seu direito de propaganda e de mostrarem suas caras e suas propostas à população.
A legislação eleitoral encontra-se aí, cheia de dispositivos que preveem os direitos dos candidatos, o que é mais do que saudável para o exercício pleno da cidadania. No entanto, é óbvio que o limitador dos direitos dos candidatos se fundamenta nos seus deveres e no começo dos direitos do cidadão eleitor. E é nesse ponto que quero me aprofundar um pouco.
A resolução do TSE deº 23.610 de 2019, em seu artigo 15, prevê a possibilidade de os candidatos fazerem uso de alto-falantes ou amplificadores de som até a véspera da eleição, entre as 8 (oito) e as 22h (vinte e duas horas), com algumas restrições específicas em relação aos locais e ao limite de nível de pressão sonora.
Também é permitido aos candidatos, segundo estabelece o parágrafo 3º, do mesmo artigo, a utilização de carro de som ou minitrio como meio de propaganda eleitoral em carreatas, caminhadas e passeatas ou durante reuniões e comícios, e desde que observado o limite de 80dB (oitenta decibéis) de nível de pressão sonora, medido a 7m (sete metros) de distância do veículo (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 11).
Chamo atenção aqui, particularmente, para esse limite de “pressão sonora”.
Amigos leitores, não sou da área do direito e não tinha a mínima ideia da existência de limites sonoros na legislação eleitoral. E, tão logo tomei conhecimento de tal legislação, me bateu uma curiosidade. Fiz o exercício de utilizar um medidor de decibéis naquele dia na minha residência e o resultado variou entre 88 a 110 dB (decibéis) de pressão sonora.
Ressalto que estava em uma distância de mais de 7 metros. Observa-se então que houve claro descumprimento de uma das regras eleitorais quanto à pressão sonora em nosso Município. E, claro, isso foi só um exemplo das muitas regras que, sem dúvidas, são desrespeitadas.
Nesse sentido, vale mencionar, ainda, que a legislação eleitoral é bem mais flexível que a Lei vigente no Estado de Pernambuco que dispõe sobre poluição sonora (LEI Nº 12.789, DE 28 DE ABRIL DE 2005), que estabelece como limites em áreas residenciais, 65, 60, 50 decibéis, nos períodos diurno, matutino e noturno, respectivamente.
Fora isso, é alarmante o quanto outras leis de variados campos do direito são “esquecidas” e transgredidas nesse momento de campanha. E o direito de ir e vir? Ah, esse pobre sofre nessa estação. E quanto às leis de trânsito? são violentadas cruelmente em todo ato político.
E tudo com a benevolência de uma legislação eleitoral permissiva ou da omissão intencional ou não das autoridades, em geral, dos órgãos da justiça (Ministério Público e Justiça Eleitoral).
Sei que aqui há um confronto entre o bem estar social/individual e o direito de campanha dos candidatos, e uma limitação maior parece afetar a integridade do direito ao voto e de ser votado.
Mas também tenho plena consciência do quão é perturbador e violento para muita gente esse tipo de movimento, principalmente para os mais vulneráveis, como idosos, doentes e crianças mais novas.
Destaco, aqui, ainda, como esses movimentos são violentos para os que possuem o Espetro Autista, a exemplo de minha querida filha.
Nesse sentido, surge uma URGENTE necessidade de dar mais rigor à legislação eleitoral bem como à fiscalização na campanha. Pois é necessário resguardar o pleno direito de manifestação e de propaganda dos candidatos, mas sem ofender tanta gente em prol de uma corrida eleitoral. Há de se achar um meio termo.
O efeito colateral dos atos políticos não pode ser esse: trazer tanta perturbação aos lares. Não é justo e nem humano. Não podemos ficar a mercê do término do período dedicado às campanhas, para vermos acabar essas arruaças.
Por fim, registro aqui minha indignação como eleitor, cidadão e ser humano, com a absurda falta de empatia dos candidatos políticos e, deixo claro que, a partir de agora, estarei atento e reunindo todo tipo de prova cabível para denunciar às autoridades competentes todo aquele candidato(a) que infringir à legislação.
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E a pergunta que não cala:
Vale tudo nas eleições pelo seu voto?
Roberto Assunção Junqueira, eleitor de Serra Talhada-PE
8 comentários em Eleições 2024 – o Vale Tudo por seu voto tem até poluição sonora em ST