Do Metrópoles

 

Londres – Eram quase 6h30 (horário local) e uma fila de quase cinco quilômetros já se formava ao longo do rio Tâmisa. O sol estava nascendo, e milhares de pessoas caminhavam em passos lentos em direção ao Palácio de Westminster a fim de ver o caixão da rainha Elizabeth II.

A inglesa Nichola Glasse, 54 anos, espera duas horas na fila, sem saber quanto tempo o trajeto iria durar. Foi um arrependimento que a motivou a participar da experiência. “Não fiz isso quando a Rainha Mãe morreu. Prometi a mim mesma que, quando Elizabeth II morresse, eu o faria. Se ela nos serviu por 70 anos, o mínimo que posso fazer é passar sete horas em uma fila”, compartilhou, em lágrimas.

Nunca antes vista na história de Londres, a histórica fila está sendo chamada por alguns de The Queue (A Fila, em português). As duas palavras com iniciais maiúsculas fazem um trocadilho com The Queen (A Rainha, em português), título com cara de nome próprio pelo qual a falecida monarca era chamada em seu reino. Alguns também já a apelidaram de Elizabeth Line (A Linha Elizabeth), mesmo nome da recém-inaugurada linha de metrô, a qual homenageia a monarca.

Desde quarta-feira (14/9), quando começou o funeral público, a fila de espera chegou a alcançar 8km. Até o jogador de futebol David Beckham enfrentou o calor e a chuva inglesa para prestar homenagem à rainha. O atleta permaneceu 12 horas em pé ao lado de pessoas comuns. Na manhã de sexta-feira (16/9), a organização avisou que não deixaria mais ninguém entrar na fila porque começaram a surgir denúncias de assalto e até assédio sexual.

A figura de Elizabeth II é enraizada na cultura britânica e para a maioria dos nativos, estar presente em momentos como esse é uma forma de honrar e de reconhecer alguém que serviu à nação por anos. The Queen (Vossa Majestade, em português), como também era chamada, foi a rainha mais longeva da nação em toda a história da Grã-Bretanha. Foram 70 anos de reinado. O luto coletivo que paira no centro de Londres desde o anúncio da morte dela, na última quinta-feira (8/9), faz jovens e pessoas mais velhas reconhecerem que o momento é “uma honra ao passado”.

É o caso de Helen Brown, 24, que entrou na fila com a família, sem saber se chegaria até o final. “Tenho que trabalhar hoje, por isso vim de madrugada. É estranho pensar que ela se foi. Os primeiros-ministros mudam o tempo todo, mas ela sempre esteve lá”, compartilha. A britânica também reflete como esse momento solene é motivo de união para muitos, mas também de estranhamento. “É curioso. Quando se trata de emoções, preferimos lidar com elas de forma privada, não em uma fila imensa que dura horas. Mas é isso que estamos fazendo hoje”, completou.

Transporte

O britânico Sam Brown, 29, simboliza todos os ritos que estão por trás do velório mais organizado de toda a Inglaterra. Ele é planejador de rotas de transporte em Londres e, ao longo dos últimos 10 anos, esteve presente em diversas reuniões que pensaram sobre o momento histórico. Na fila, Sam lembra desses encontros, os quais organizavam o tráfego da população para o dia da morte da rainha. Entre um turno e outro de trabalho, ele arrisca ver o caixão da monarca de perto. “Passamos os últimos dez anos planejando as rotas dos trens da cidade caso ela morresse. E o dia chegou. Não parece real, esse momento ainda é estranho para mim”, transparece.

Brasil

O brasileiro Douglas Martins, 31, não está na fila ainda, mas se sente pronto para entrar nela. Morador de Dublin, na Irlanda, ele viajará para Londres apenas para a ocasião. “O que me motiva é o poder feminino que ela representou tão bravamente, abdicando da vida dela, em prol do povo e do país.”

Tradição

No coração do Palácio de Westminster, onde ocorre a visitação pública do caixão de Elizabeth II, foi também o local no qual a Rainha Mãe teve seu corpo velado, em 2002. O britânico Alan Dod, 46, compareceu a ambos. “Era uma experiência que eu tinha que dar continuação. É a minha forma de agradecer”, disse. Dod pernoitou na fila por 8 horas só para ver o caixão de perto.

Nas calçadas de Waterloo, Jane Sarkan acompanhou quase todo o reinado de Elizabeth II em vida. A britânica de 60 anos, filha de um indiano e uma inglesa, caminhava na fila que preferiu chamar de “peregrinação”. “É como se fosse isso. Essa jornada a pé é para honrar um exemplo de diplomacia. É uma experiência emocional, mas física também. Nunca haverá alguém como ela”. “Ela vai muito além do rosto estampado em selos e notas de dinheiro. É por isso que estou aqui, fazendo um tributo para uma pessoal real.”

O Estado Deitado (Lying-in-state, em inglês) de Elizabeth II, como é chamado esse estágio do velório, perdura até às 6h30 (horário local) da próxima segunda-feira (19/9). A rainha será enterrada em Windsor, na capela que homenageia o seu pai, o rei George VI.