Do Estadão

As autoridades de saúde dos Estados Unidos aprovaram na quarta-feira, 26, a primeira pílula feita de bactérias saudáveis encontradas em dejetos humanos para combater infecções intestinais perigosas – uma maneira mais fácil de realizar os chamados transplantes fecais.

O novo tratamento da farmacêutica Seres Therapeutics fornece uma versão mais simples e rigorosamente testada de procedimentos baseados em fezes que alguns especialistas médicos usaram por mais de uma década para ajudar os pacientes.

A Food and Drug Administration (FDA), agência federal do Departamento de Saúde dos EUA, liberou as cápsulas para adultos com 18 anos ou mais que enfrentam riscos de infecções repetidas por Clostridium difficile, uma bactéria que pode causar náuseas severas, cólicas e diarreia.

A bactéria é particularmente perigosa quando ocorre mais de uma vez, causando entre 15 mil e 30 mil mortes por ano. Ela pode ser combatida com antibióticos, mas eles também destroem as bactérias boas que vivem no intestino, deixando-o mais suscetível a futuras infecções. As novas cápsulas são aprovadas para pacientes que já receberam tratamento com antibióticos.

Mais de dez anos atrás, alguns médicos começaram a relatar sucesso em casos de transplante fecal –usando fezes de um paciente saudável – para restaurar o equilíbrio saudável do intestino e prevenir infecções.

A FDA aprovou a primeira versão de grau farmacêutico do tratamento no ano passado de uma farmacêutica rival, a Ferring Pharmaceuticals. Mas o produto dessa empresa – como a maioria dos procedimentos originais – deve ser impelida pelo reto.

A Seres, que tem sede em Cambridge, no Estado de Massachusetts, irá comercializar seu medicamento como uma opção menos invasiva. O tratamento será vendido com a marca Vowst e consiste em quatro cápsulas diárias tomadas por três dias consecutivos.

As duas aprovações recentes da FDA são o resultado de anos de pesquisa da indústria farmacêutica sobre o microbioma, a comunidade de bactérias, vírus e fungos que vivem no intestino.

Atualmente, a maioria dos transplantes fecais é fornecida por uma rede de bancos de fezes que surgiram em instituições médicas e hospitais em todo o País. Embora a disponibilidade de novas opções aprovadas pela FDA deva diminuir a demanda por doações de bancos de fezes, alguns planejam permanecer abertos.

O OpenBiome, o maior banco de fezes dos EUA, disse que continuará atendendo pacientes que não são elegíveis para os produtos aprovados pela FDA, como crianças e casos de adultos que são resistentes ao tratamento. O banco forneceu mais de 65 mil amostras de fezes para pacientes com Clostridium difficile desde 2013.

“O OpenBiome está empenhado em manter o acesso seguro ao transplante fecal para esses pacientes como uma última linha de defesa vital”, disse Majdi Osman, chefe médico do grupo.

O tratamento de fezes padrão do OpenBiome custa menos de US$ 1.700 e normalmente é entregue como uma solução congelada dias após o pedido. A Seres não divulgou o preço que cobrará por suas cápsulas em comunicado divulgado na noite de quarta-feira.

“Nós queremos tornar a experiência comercial para médicos e pacientes o mais fácil possível”, disse Eric Shaff, diretor executivo da empresa, em entrevista antes do anúncio. “Facilidade de administração – em nossa opinião – é um dos aspectos do valor que estamos entregando.”

A Seres irá co-comercializar o tratamento com a gigante alimentícia suíça Nestlé, com quem também dividirá os lucros. A Seres receberá um pagamento de US$ 125 milhões da Nestlé em conexão com a aprovação da FDA.

Supervisionar a inexperiente indústria de bancos de fezes dos EUA criou dores de cabeça regulatórias para a FDA, que tradicionalmente não policia produtos e procedimentos caseiros usados em consultórios médicos. No início da nova tendência, a FDA alertou os consumidores sobre os riscos de possíveis infecções dos transplantes fecais, já que algumas pessoas buscavam métodos questionáveis do tipo “faça você mesmo” em vídeos e sites.

Entenda com o medicamento é fabricado
Os executivos da Seres dizem que seu processo de fabricação depende das mesmas técnicas e equipamentos usados para purificar hemoderivados e outras terapias biológicas.

A empresa começa com fezes fornecidas por um pequeno grupo de doadores que são testados para vários riscos e condições de saúde. Suas fezes também são testadas para dezenas de possíveis vírus, infecções e parasitas.

A empresa então processa as amostras para remover os resíduos, isolar as bactérias saudáveis e matar quaisquer outros organismos remanescentes. Milhares de cápsulas podem ser produzidas a partir de cada amostra de fezes, tornando-o um processo mais eficiente do que os transplantes fecais atuais, de acordo com a farmacêutica.

A FDA alertou em seu anúncio de aprovação que o medicamento “pode acarretar o risco de transmissão de agentes infecciosos”. “Também é possível que Vowst contenha alérgenos alimentares”, observou a agência.

A FDA aprovou o tratamento com base em um estudo de 180 pacientes em que quase 88% dos pacientes que tomaram as cápsulas não apresentaram reinfecção após oito semanas, comparados com 60% daqueles que receberam placebo.

Efeitos colaterais comuns incluíram inchaço abdominal, constipação e diarreia./AP