Por Flaviano Cássio, estudante de direito da Faculdade de Integração do Sertão (FIS)

O Discurso que segue é apenas uma excitação a respostas já dadas (ao menos quando a DEUS) e questionamentos a cerca de outras instancias do qual o homem está inserido, como o Direito. Trata-se de uma escrita corrida, para leitores que gostam de ler sem pressa, e sem motivos maiores – se escrever é uma arte, os leitores entenderam que as regras de escrita não são feitas paras serem eternizadas, mas sim reinterpretadas.

Para a indagação teológica acima temos uma resposta certa (uma negação), porém, apenas assim o problema ainda não será colocado em panos limpos. Nossa epistemologia cética ao lado de Deus, por certo, não terá dúvidas em negá-lo por um bem maior – a ciência – a nossa racionalidade. O Pensar de Descartes como marca da modernidade trouxe ao homem uma certeza irrefutável: que ele o homem realmente pensa – e não outro. Certamente sua dúvida metódica pode também questionar a existência de Deus, afinal se existe um ‘eu’ que pensa; somente esse ‘eu’ poderia pensar ou duvidar de Deus.

Porém, a grandeza de espirito que se deveria buscar hodiernamente na ciência, não será alcançada apenas com a negação (de Deus, do Homem, da Alma), de modo que diante disso precisamos encontrar nossa capacidade ativa para pensar. Seria mais viável antes da pergunta, o que posso conhecer racionalmente? Formular outra pergunta, e essa talvez perca em profundidade, o que também não tem importância, pois estou seguro da perspectiva que tudo que é profundo ama a máscara, e por se admitir intensamente exige tal quais elementos que o fazem como profundo.

Enfim, a nova pergunta seria: se conhecemos racionalmente, ainda assim, o que é racional nesse conhecer? Ou melhor, a que tende essa racionalidade científica? Pois a mudança de perspectiva da modernidade, ainda que coerente com o desencantamento do mundo em prol das nossas realidades efetivas, pode ainda julgar algo como saber ultimo – o próprio homem – e, nesse sentido, temos a falsa impressão de que tudo se humaniza ao nosso redor. Como se tornar o homem manso fosse o mesmo que torna-lo bom[1]. Afinal hoje todos falam de dignidade do homem, apesar de buscarem refugio fora dela, e explicação aquém do próprio homem. Ora, mais assim nada mudou, o homem não quer mudar. Vemos mais uma vez algo de transcendental a se impor e demonstrar sua imensidão e sua autossuficiência. Se for assim, podiam ter ficado com o velho Deus, de modo que não se afirme uma mudança radical sem radicalizar o conhecimento. Hoje diria que o problema é que fazem do homem um deus-humano

“Questionar a existência de Deus, afinal

se existe um ‘eu’ que pensa; somente esse ‘eu’ poderia

pensar ou duvidar de Deus.”

Para que servirá as ciências humanas dessa geração modernista, demasiadamente cética? Para cravar uma natureza humana e a partir disso refletir? Como exemplo trazemos o Direito, e nele dirão: a sociedade pode ser entendida normativamente. Bem, (não nego que possa) mas logo após, como se processa esse normatizar jurídico? O que ele quer conservar ou manter de sóbrio na nossa racionalidade? Qual a sua genealogia?

O Direito que hoje se chama moderno tem na verdade mais um pouco que dois séculos. E não nasce sozinho, e sim com uma serie de outras ciências como a psiquiatria, psicologia, etc. A partir de um momento, entrelaçado por fatores econômicos, sociais, morais, em que se observa na maior parte dos discursos uma mudança de direcionamento: tomam o homem em sua dignidade e apreenderam a usar o corpo de forma diferente – por esses meios criou-se uma dignidade que valoriza o homem e acredita torna-lo mais humano. O problema do Direito não é que ele seja apenas hierarquizado demais, formal demais; essas são apenas formas da relação de poder que se expressão no discurso jurídico; e se é assim, é claro que agimos em conforme a isso.

O saber do direito não caiu do céu para nos escravizar, logo toda epopeia de ritualismos do mundo jurídico, apesar de criticável por sua ornametalidade, é também forma de garantir ao homem uma dignidade. A razão ornamental do modus operandi jurídico pode não querer discutir as relações de poder que dão origem a nossas hierarquias e as nossas diferenças, mas isso quer dizer que não são apenas os operadores do direito que dão as costas para a reflexão, pois todos os damos enquanto inseridos nesse universo do homem moderno, nessa microfísica do poder. Que ela (prática jurídica) é ornamental, simplista e formal isso já sabemos, o que não sabemos é por que isso é um modelo de racionalidade jurídica, e como contribuímos para esse perpetuar malogrado; creditando que isso nos torna mais bondosos e menos burgueses? 

Poderia dizer: vejo os promotores e juízes da minha cidade em carros muito bonitos, o que sugere que possuem uma renda elevada, mais ainda gostos elevados, status privilegiado. Sim, mas por que isso? Devido ao fato de terem feito a OAB e passarem? Porque cursaram Direito, e detiveram anos afim fazendo cursinhos e Escolas de Magistratura? Pode até ser que sim parcialmente, mas a resposta seria só essa? 

Penso que não. Não basta criticar o status social de alguém para que tudo mude, com se toda demagogia no Direito fosse um acaso que não participamos e que somos pobres vítimas de todo o processo – para mim se querem mudar algo é preciso primeiro uma coisa: desvitimar sua ação. Logo não se trata de com questionamentos fazer um julgamento moral do salário de fulano ou sicrano, isso pouco me importa, o que quero observar é que até essas vivências podem ser explicadas dentro de um jogo de poder, e nós estamos também envolvidos nisso.

“Vejo os promotores e juízes da minha cidade em

carros muito bonitos, o que sugere que possuem

uma renda elevada, mais ainda gostos elevados,

status privilegiado. Sim, mas por que isso?”

Recentemente captei a afirmação Foucaultiana[2] de que o homem é uma criação recente, e tenderá logo a desaparecer quando der rumo diferente a si próprio. Convém explicar essa indagação. Não se trata de uma bajulação pessimista, acredito seriamente que o homem simplesmente não existe. Ora, essa frase por certo parecerá muito pesada também, e é melhor ir por partes. Quero dizer que o homem tal qual a definição moderna é algo criado. A valoração e emotividade (o peso moral) que estar cravado em seu peito também foram ditadas por essa recende ordem de domesticação do homem.

Ou seja, tal qual a modernidade o homem simplesmente não existe, pois se foi criado, poderá logo depois mudar conforme o lugar – o homem é um enunciado, pois só se apresenta dessa forma, é algo dito com uma série de significações, mas não representa ele mesmo esse enunciado, por não ter significação própria como sujeito ou objeto se não quando confrontado numa relação discursiva ou de poder; só pode ser representado dentro do enunciado, nunca fora dele[3]. E o que isso tem com o Direito? Simplesmente, acreditamos ainda nele. Achamos nós em formação para jurista que a dignidade se impôs e que devemos cultivá-lo, ao invés de saber de que poder ela tem origem, ou a que finalidade ela está ligada. Como se realmente desligássemos o Direito individual de outros tantos fatores determinantes.

Para prosseguir e ilustra a argumentação trago uma pintura (Las Meninas) de Velázquez. E a partir dela concluirei essa parte da afirmação de que o homem moderno não existe. Eis a figura:

Sinteticamente, a traços do quadro que são evidentes e parecem autoexplicativos. Primeiro perguntaria, quem pinta o quadro? Um pouco contraditório, não? Pois, o pintor de Las meninas ousou pintar a si mesmo, significa além de criatividade e do agir ativo, que é enquanto seres políticos e enquanto homens atuantes, que vivemos que nos projetamos concretamente. É quando a pintura e o pintor são apenas um, pois um pintor só é pintor pintando quadros.

O homem é uma condição e não uma natureza ou espectro espiritual portador de dignidade, pois se fosse poderia deixar de atuar para olhar a si próprio, poderia deixar de agir para dizer: o quão bela é essa dignidade que criamos!!! O homem simplesmente é as relações de poder do qual faz parte ativamente.

No quadro, a impressão que fica ao expectador é também que todos estão lhe olhando e sentem que você os observa, e por que isso? Eles realmente estão lhe olhando, pois o Velazquez colocou em seu lugar outras pessoas que estão justamente no seu lugar e são refletidos no espelho no fundo da tela; e por serem elas você mesmo não pode vê-las como os outros.

Precisamente aqui matamos a charada, de por que o homem não existe. A resposta seria simplesmente – porque ele é homem, e isso implica que ele está inserido nesse processo de conhecimento como ser atuante. Como poderia se ver? Ele é na verdade um ator fazendo o que sabe – atuando,   por isso não pode parar e assistir essa peça que é a vida. Não é um mero ouvinte ou uma plateia a comtemplar o conhecimento, e dentro desse processo não pode se ver, por existir apenas concretamente. Isto é, por existir mesmo é que não existe fora de si como realidade.

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[1] Cf. Genealogia da moral.

[2] BOAS, Crisoston Terto Vilas. Para Ler Foucault. Imprensa Universitária da UFOP, 2ª Edição eletrônica, 2002.

[3] DELEUZE, Gilles. Foucault. Trad. Claudia Sant’ Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 2005. (p.23)