FATORES DE EXPOSIÇÃO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE ÀS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS UTILIZADAS NOS PROCESSOS DE LAVAGEM E DESINFECÇÃO NO EXPURGO

A cada dia a biossegurança se consolida como uma nova ciência no Brasil, configurando-se em um tema de grande importância no campo da saúde, despertando cada vez mais o interesse dos profissionais comprometidos com um serviço de qualidade. Segundo a Comissão de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz, a biossegurança compreende o quadro de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes as atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços. Tais riscos podem comprometer a saúde do homem, dos animais, do meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos.

São diversos os riscos ocupacionais aos quais estão submetidos os trabalhadores da área da saúde, a saber: biológicos, físicos, químicos, psicossociais e os ergonômicos. Tais riscos predispõem os trabalhadores a enfermidades e a acidentes de trabalho, quando medidas de segurança não são tomadas.

São medidas de controle que visam educar e treinar o trabalhador para as atividades necessárias ao serviço. Estas medidas envolvem a proteção do trabalhador através do uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), o controle de sua saúde através de exames médicos periódicos e a limitação do tempo de exposição do trabalhador à fonte do risco.

Nos estabelecimentos de assistência à saúde, os quais conforme a Norma Regulamentadora de n°32 (NR-32) entende-se por qualquer edificação destinada a prestação de assistência à saúde da população, em qualquer nível de complexidade, em regime de internação ou não, há muitas ocasiões em que os membros da equipe de saúde enfrentam situações de risco no trabalho considerando-as, entretanto, corriqueiras, não lhes dando a devida importância e pouco fazendo para que não se repitam. Evidências científicas têm mostrado que esses trabalhadores se submetem aos vários agentes de riscos ocupacionais em seu ambiente de trabalho e nem sempre utiliza EPI.

“A cada dia a biossegurança se consolida como uma

nova ciência no Brasil, configurando-se em um tema

de grande importância no campo da saúde,

despertando cada vez mais o interesse dos

profissionais comprometidos com um serviço de

qualidade”

O Centro de Material e Esterilização (CME) é parte fundamental do contexto hospitalar, é o local responsável pelo expurgo, preparo, esterilização e distribuição dos materiais e equipamentos usados nas demais unidades de um hospital, para desenvolvimento de atividades que envolvem ações de terceiros, médicos e profissionais de enfermagem, em procedimentos críticos e semi-críticos junto aos pacientes.

Caracteriza-se como um setor de serviços de saúde, inserido ou não em uma organização de saúde, podendo existir como uma empresa independente, prestadora de serviços terceirizados em esterilização.

 O CME constitui um ambiente de trabalho que apresenta riscos ocupacionais, uma vez que realiza procedimentos de limpeza, preparo, esterilização e armazenamento de artigos, os quais expõem os profissionais da saúde a fluidos corpóreos veiculadores de microorganismos, substâncias orgânicas e inorgânicas contaminadas, produtos químicos, aerossóis, além de ruídos, posições incômodas prejudiciais ao bem-estar, esforço físico excessivo, entre outros agentes de risco presentes no setor. Neste contexto, este estudo enfatiza a exposição a substâncias químicas que podem resultar em efeitos adversos à saúde dos trabalhadores do CME.

A área de expurgo é considerada área suja e crítica, pelo risco aumentado para desenvolvimento de infecções relacionadas ao processamento de artigos críticos contaminados, destinando-se à limpeza dos artigos. O uso de EPI neste setor minimiza o risco de contato direto da pele e mucosas com qualquer material contaminado e com os produtos químicos necessários ao processo. Ressalta-se que o processo de limpeza realizado no hospital em estudo é predominantemente manual, o que aumenta o risco ocupacional.

Acerca dos riscos químicos são encontrados na forma sólida, líquida e gasosa, podendo ocasionar efeitos irritantes, anestésicos, sistêmicos, cancerígenos, inflamáveis, explosivos e corrosivos. As vias de ingresso no organismo são a inalação, a absorção, a via cutânea e a ingestão. Nem sempre a exposição resulta em efeitos prejudiciais à saúde, os quais irão depender de fatores, tais como o tipo e concentração do agente químico, a frequência e a duração da exposição, as práticas e os hábitos laborais e suscetibilidade individual. Prevenir é uma das maneiras de se evitar os problemas de saúde ocupacional que podem ser desencadeados por essa exposição, porém, para a sua efetividade é necessário que os trabalhadores tenham conhecimento sobre os riscos propiciados pelas substâncias químicas.

“A área de expurgo é considerada área suja e crítica,

pelo risco aumentado

para desenvolvimento de infecções relacionadas ao

processamento de

artigos críticos contaminados”

Diante do exposto, compreende-se a importância deste estudo no sentido de analisar dentre os riscos ocupacionais associados ao CME, aqueles relacionados aos processos químicos utilizados na limpeza, desinfecção dos artigos hospitalares, tendo em vista a participação desta etapa da produção no controle de infecções hospitalares e os efeitos adversos resultantes da exposição dos profissionais da saúde do CME aos produtos químicos empregados.

 OBJETIVO

Analisar os riscos químicos aos quais os profissionais da saúde estão expostos, verificando os fatores de exposição às substâncias químicas utilizadas nos processos de lavagem e desinfecção no expurgo do Centro de Material e Esterilização, do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife-PE.

 MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, de abordagem quantitativa, realizado no Centro de Material e Esterilização (CME) do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife-PE.

A população do estudo foi constituída por profissionais que atuavam no CME, entre técnicos e auxiliares de enfermagem, e a amostra pelos profissionais que atuavam no expurgo e possuíam pelo menos um ano de experiência de trabalho neste setor. Excluíram-se aqueles que não se encontravam presentes no período da coleta, seja por licença médica ou férias, além daqueles que se recusaram a participar.

Para a coleta dos dados foi utilizado um questionário tipo Check-List de observação com base nos protocolos de Biossegurança NR – 32, validado por três especialistas, no período de 08 de setembro a 30 de outubro de 2009. Os dados foram processados no programa Epi-Info versão 3.5.1 de 2008, apresentados em tabelas e analisados por meio da estatística descritiva.

A coleta de dados ocorreu após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa sob número de protocolo 253/09, atendendo à Resolução 196/96 do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa, a qual dispõe sobre diretrizes regulamentadoras para pesquisas envolvendo seres humanos.

 “Acerca dos riscos químicos são encontrados na

forma sólida, líquida e gasosa, podendo ocasionar

efeitos irritantes, anestésicos, sistêmicos,

cancerígenos, inflamáveis, explosivos e corrosivos”

 

RESULTADOS

Participaram desse estudo 25 profissionais de saúde, dos quais 21 (84%) do sexo feminino e quatro (16%) do masculino. De acordo com a categoria profissional, verificou-se predominância de auxiliares de enfermagem (60,0%), seguidos dos técnicos de enfermagem (40,0%).

Em relação à faixa etária, predominou a dos 40 aos 49 anos (36%), ressaltando-se que a dos 20 aos 29 anos apresentou percentual de 32%. Quanto ao tempo de serviço no CME, 17 (68%) atuavam entre 1 ano e 4 anos 11 meses e 29 dias, chamando à atenção para a presença de 3 (12%) exercendo a mesma atividade por um período entre 10 anos e 14 anos 11 meses e 29 dias. A maioria dos profissionais que atua na área de expurgo (96%) executava suas atividades por um período de 12 horas por dia trabalhado.

 Na tabela 1, agregam-se os dados referentes aos tipos de produtos químicos observados em uso pelos trabalhadores durante o momento laboral no expurgo.

Substância químican%
Detergente enzimático25100,0
Álcool a 70%1560,0
Cloro e compostos clorados624,0
Desoxidante520,0
Lubrificante312,0

Fonte: ANVISA.

De acordo com a tabela 1, 100% da amostra estudada, durante o momento laboral, fazem uso de detergente enzimático no processo de lavagem dos artigos hospitalares, o álcool a 70%, usado na desinfecção das superfícies do expurgo, é observado em 60% da mesma amostra, seguido dos produtos que contém cloro (24%) como princípio ativo, empregados na desinfecção do piso e paredes, das substâncias desoxidantes (20%), usadas para eliminar partes oxidadas dos instrumentais e dos óleos lubrificantes (12%) utilizados na redução do atrito entre os componentes dos materiais hospitalares. Com relação à quantidade de produtos químicos manuseados pelo profissional em uma jornada diária de trabalho no expurgo, os resultados são apresentados na tabela 2.

 Tabela 2. Frequência da quantidade de produtos químicos usados pelo profissional em uma jornada diária de trabalho durante o momento laboral. Recife, 2009.

Quantidade de produtos químicosN%
De 1 a 3 produtos2288,0
De 4 a 6 produtos312,0
Maior ou igual a 7 produtos00,0

Verifica-se na tabela 2 que a maioria dos profissionais participantes do estudo (88%), faz uso de até três produtos químicos durante uma jornada de trabalho na área de expurgo.

 DISCUSSÃO

 De acordo com os dados do presente estudo, verificou-se que 84% da população analisada pertencem ao sexo feminino. Dados semelhantes foram encontrados por outros autores, que relataram em seus estudos o predomínio do sexo feminino entre os trabalhadores de enfermagem. Em relação à categoria profissional dos sujeitos participantes, observou-se que, em sua maioria, os auxiliares de enfermagem (60%) excederam o número de técnicos de enfermagem, o que difere de outro estudo que verificou, entre os trabalhadores dos SMEs, a predominância de técnicos (64%) sobre os auxiliares (26,5%) da classe de enfermagem.

Observou-se em uma pesquisa que a faixa etária de maior ocorrência na amostra analisada, se mostrava entre 40 e 49 anos. ­ Outra pesquisa revelou que 8 dos 15 sujeitos caracterizados se encontravam nesta mesma faixa etária, sendo que 6 dos 7 restantes possuíam idades entre 20 e 30 anos. Estes achados corroboram com o estudo em questão, no qual descreve que 36% dos participantes estão inseridos na faixa dos 40 aos 49 anos de idade, seguidos por 32% situados entre 20 e 30 anos.

No que se refere ao tempo de atuação no SME, 68% dos profissionais apresentavam de 1 a 4 anos completos de atuação, enquanto 12% possuíam de 10 a 14 anos completos de tempo de serviço. Em comparação com outros estudos, o exercício profissional realizou-se, pela maior parte da amostra (60%), entre dois e cinco anos de atuação. Em relação à jornada de trabalho, encontrou-se, em outra pesquisa sobre absenteísmo-doença entre profissionais de enfermagem da rede básica do SUS, que 9,4% e 90,6%, respectivamente, têm jornada de 30 e 36 horas semanais. Este dado difere dos resultados encontrados, uma vez que os trabalhadores (96%) da área de expurgo atuam sob um regime de plantão de 12 horas por dia de trabalho, sendo que 67% destes trabalham em regime de 12 horas de trabalho por 36 horas de repouso e o percentual restante trabalha por 12 horas seguidas por 60 horas de repouso.

“Observou-se em uma pesquisa que a faixa etária de

maior ocorrência na amostra analisada, se mostrava

entre 40 e 49 anos” ­

Analisando os outros resultados deste estudo, verificamos a existência de muitos fatores de risco à exposição química por parte dos profissionais de enfermagem, durante a atividade laboral, na área de expurgo do CME da instituição hospitalar em questão.

 A utilização de um até três produtos químicos, simultaneamente, durante o processo de trabalho no expurgo, foi percebida em grande parte da amostra em análise, incorrendo em aumento do risco de acidente ocupacional por exposição química devido à sujeição e à manipulação de diferentes produtos químicos. Com relação às instruções presentes nos rótulos dos produtos químicos usados no expurgo, os quais se encontram bem preservados e mantidos na embalagem original, conforme a NR-32.5

Constatamos que a maioria dos trabalhadores deste setor não atende às determinações do fabricante contidas nos mesmos, expondo-se ao risco ocupacional. Isto implica que em uma diluição incorreta, utilizando-se solvente em quantidade acima do recomendado pelo fabricante, o profissional será obrigado a realizar a limpeza manual dos artigos hospitalares por mais tempo que o necessário, sujeitando-se à exposição química prolongada devido a uma menor concentração da substância em uso. A limpeza manual dos artigos oferece maior risco ocupacional ao profissional.

Esta vestimenta não apresenta mangas compridas nem recobre o corpo até os joelhos, como um capote ou avental impermeável apropriado, além de não garantir a resistência e a impermeabilidade a respingos de produtos químicos, a materiais biológicos e à umidade provenientes de operações com o uso de água. Ressalta-se que este risco ocupacional decorre da indisponibilidade do avental impermeável pertinente ao serviço, descumprindo assim, a NR-6 no que tange ao fornecimento obrigatório e gratuito, por parte da instituição, de EPI adequado ao risco de cada atividade. O capote é de uso obrigatório para a lavagem dos artigos, bem como o avental frontal impermeável.

“Constatamos que a maioria dos trabalhadores deste

setor não atende às determinações do fabricante

contidas nos mesmos, expondo-se ao risco

ocupacional”

Constatamos, também, a utilização de luvas de procedimento em substituição às de borracha por 13 trabalhadores (52%). Embora se ajustem melhor às mãos e confira maior destreza, as luvas de procedimento são inapropriadas para a realização do processo manual de limpeza dos artigos, por oferecer maior risco de exposição às substâncias químicas, seja pela menor resistência do material, seja por uma longa jornada de trabalho em interação com estas substâncias.

No setor de expurgo, a indicação de sapatos fechados impermeáveis destina-se à proteção dos pés contra umidade, respingos de substâncias químicas ou material biológico. Estes devem ser confortáveis, laváveis, compatíveis com a temperatura ambiente e capazes de evitar a transpiração excessiva. Observamos que a bota impermeável não foi utilizada pela maioria dos profissionais (92%), totalizando 23 deles, pois não se encontrava disponível este equipamento de proteção, evidenciando o não cumprimento, por parte da instituição, do provimento de EPIs em número suficiente nos locais de trabalho, conforme recomendado pela NR-32.

“Observamos que a bota impermeável não foi

utilizada pela maioria dos profissionais (92%),

totalizando 23 deles”

Na ausência de botas impermeáveis, a instituição oferece propés. Entretanto, a sobreposição em sapatos fechados não confere ideal segurança frente às soluções químicas destinadas à limpeza e à desinfecção dos artigos no expurgo, em face da parcial proteção dos membros inferiores e da reduzida capacidade de barreira deste método, dependente do tipo de cobertura dos sapatos.

A limpeza manual dos artigos oferece maior risco ocupacional ao profissional, seja pelos acidentes com pérfuro-cortantes, seja por prover respingos de substâncias químicas de uso hospitalar para este procedimento, além da exposição a poeiras e gases tóxicos.  Desta forma, consideramos que são, também, os óculos protetores, máscara e gorro EPIs imprescindíveis à segurança do trabalhador na área de expurgo.

Com relação à adoção de EPIs pelos trabalhadores do local de expurgo, percebemos que os óculos de proteção eram utilizados por 16 (64%) trabalhadores de enfermagem durante a atividade de limpeza dos artigos, uma vez que este acessório deve ser usado sempre que houver a possibilidade de respingos de material biológico ou produto químico durante a realização de algum procedimento. Esse dado difere de outros estudos, que mostraram baixa adesão dos profissionais ao uso de óculos protetores, sendo este o EPI menos utilizado.

“Um dado relevante foi o fato de nove profissionais

não utilizarem os óculos protetores”

Um dado relevante foi o fato de nove profissionais não utilizarem os óculos protetores, pois fazem uso de óculos corretivos. O dado encontrado possui coerência com outro estudo, no qual onze não utilizam óculos protetores por usarem óculos corretivos. Óculos corretivos não substituem óculos protetores, há modelos que são perfeitamente adaptáveis aos óculos de correção. Pode-se observar neste estudo, que os óculos protetores eram compartilhados pelos trabalhadores do expurgo por existir, apenas, um acessório disponível no local. Os óculos de proteção são considerados artigos não críticos, cuja reutilização deve ser feita apenas com a limpeza, realizada com água e sabão após o uso. Contudo, quando há exposição a secreções ou aerossóis, a desinfecção é aconselhada.

Mesmo tendo uma expressão numérica de 72% dos profissionais fazendo uso do gorro e 76% utilizando máscaras, este percentual ainda está aquém do ideal, pois os riscos químicos que cada profissional sofre passam a ser cumulativos e progressivos ao longo do tempo, denotando-se assim, a importância de toda amostra participante usar corretamente todos os EPIs.

Apesar de a Enfermagem ser uma classe que manipula diariamente materiais perfurocortantes em suas atividades, ainda hoje, muitos profissionais não fazem uso de equipamentos de proteção individual (EPI) mesmo com o elevado número de acidentes registrados.

“A limpeza manual dos artigos oferece maior risco

ocupacional ao profissional, seja pelos acidentes com

pérfuro-cortantes, seja por prover respingos de

substâncias químicas de uso hospitalar para este

procedimento, além da exposição a poeiras e gases

tóxicos.  Desta forma, consideramos que são,

também, os óculos protetores, máscara e gorro EPIs

imprescindíveis à segurança do trabalhador na área

de expurgo”

 

*Ágabo Luckwu atua como enfermeiro em Serra Talhada.  Escreveu este artigo juntamente com Edjane Lima.