Da Folha de PE

Há perdas que são bem difíceis de aceitar. Na cultura brasileira, a morte de Paulo Gustavo é uma delas. O ator, aos 42 anos, foi infectado pelo coronavírus antes de chegar sua vez no calendário vacinal e, no dia 4 de maio de 2021, perdeu a batalha para a Covid-19.

O niteroiense não era só um dos mais talentosos artistas que o humor nacional já revelou, mas também a maior bilheteria de cinema do Brasil, com trilogia “Minha Mãe É Uma Peça”, fenômeno que se iniciou no teatro. Para todos que ainda sentem a morte do ator, “Filho da Mãe”, documentário lançado em dezembro pelo Prime Video, é uma espécie de alento.

O filme mostra os bastidores do último projeto dele, a turnê musical “Filho da Mãe”, feita em parceria com Dona Déa Lúcia, mãe de Paulo Gustavo e grande musa inspiradora da personagem mais famosa do ator, Dona Hermínia.

Por mais de 100 minutos, o clima é sempre de muita intimidade nas cenas. Todos que aparecem na produção fizeram parte da vida de Paulo profissional ou pessoalmente. E a muitas das imagens são registros de bastidores que captam toda a espontaneidade do humorista – um trunfo que ele sempre soube aproveitar.

Muito do que é contado ali não chega a ser uma novidade para quem já acompanhava a vida do ator, mas há detalhes que chamam atenção. Como, por exemplo, quando Mônica Martelli conta que, por causa de Paulo Gustavo, mexeu-se no final do filme “Minha Vida em Marte”. Na época, depois de assistir, o humorista não gostou do resultado e uma outra cena foi escrita para encerrar o longa. Mônica explica isso sentada na areia da mesma praia que serviu de locação no encerramento do longa.

Há muitos depoimentos de profissionais que atuavam nos bastidores e vários registros de Paulo antes ou depois de algum ensaio ou apresentação. Até o teatro onde “Minha Mãe É Uma Peça” estreou, Teatro Candido Mendes, serve de cenário, além do Ginásio Caio Martins, na cidade Natal de Paulo, onde ele chegou a se apresentar tanto com “Minha Mãe É uma Peça” quanto com o próprio espetáculo “Filho da Mãe”.

O clima intimista é reforçado pela equipe que atuou no documentário. A direção foi feita em dupla por Susana Garcia, amiga e parceira de trabalho de Paulo, e por Juliana Amaral, irmã do ator. Além disso, diversos amigos dele aparecem em depoimentos, como o roteirista Fil Braz, as atrizes Regina Casé, Ingrid Guimarães e Mônica Martelli e a cantora Iza.

Por outro lado, o documentário escancara os laços familiares, com depoimentos da própria irmã, dos pais, da madrasta e o marido de Paulo, Thales Bretas, com quem o humorista teve dois filhos. Os meninos, Gael e Romeu, nasceram em agosto de 2019. Quando Paulo Gustavo foi internado em função da Covid-19, em março de 2021, eles tinham apenas um ano e sete meses.

Thales e as crianças também marcam presença não só em vídeos de arquivo, mas em cenas gravadas especialmente para a produção. Os depoimentos de Thales, Juliana, Julio – o pai de Paulo – e Déa, além dos registros com os bebês, são momentos em que convém reservar um lenço por perto.

Duas coisas chamam a atenção este epitáfio. A primeira é a ausência de algumas pessoas importantes, como a amiga de longa data Samantha Schmütz e outros colegas de elenco da trilogia “Minha Mãe É Uma Peça” – caso de Mariana Xavier e Rodrigo Pandolfo, que interpretam os filhos de Dona Hermínia nos longas, Marcelina e Juliano. A outra é a presença estranha, quase alienígena, de Pedro Bial. O ex-apresentador de “Big Brother Brasil” aparece tecendo comentários genéricos e pueris sobre uma pessoa com a quem claramente não teve qualquer aproximação.

Apesar dos muitos momentos de grande emoção, é impossível não soltar gargalhadas com a presença marcante de Paulo Gustavo em todo o documentário. Nas cenas, ele conversa com músicos, motoristas e fãs. Há também os momentos em que o próprio ironiza a falsa ideia que muitos têm do glamour da fama. Sua genialidade fica evidente o tempo todo, mesmo nos momentos em que aparece em famílias. Aliás, a revelação de que Thales e Paulo seriam pais de dois meninos é um dos momentos que aparecem no vídeo.

“Filho da Mãe” é também uma espécie de mostra do que poderia ter sido a parceria de Paulo com a Amazon a partir de 2022, não fosse a morte prematura. De acordo com informações divulgadas pela revista “Piauí”, o ator tinha assinado um contrato de exclusividade de cinco anos com o Prime Video entre 2023 e 2027.

Através do streaming, Paulo poderia se tornar conhecido em outros países, com projetos pensados exclusivamente para o Prime Video. E, a julgar pelo que se vê em “Filho da Mãe”, tinha tudo para dar muito certo esse novo caminho.