De O Globo

Pai e filha deitados com a barriga para baixo, rostos mergulhados na água turva do Rio Grande   — Rio Bravo para os mexicanos  —, que separa oMéxico dos Estados Unidos . A cabeça da menina enfiada na blusa do pai, seu bracinho pendurado no pescoço do homem.

O retrato de desespero foi capturado na segunda-feira pela jornalista Julia Le Duc , horas depois de Óscar Alberto Martínez Ramírez ter se afogado com Valéria , sua filha de 1 ano e 11 meses, enquanto tentavam chegar aos Estados Unidos.

A imagem é um resumo doloroso da perigosa jornada que os imigrantes enfrentam em busca do “sonho americano” e das trágicas consequências que costumam passar despercebidas no debate acirrado que ocorre atualmente nos Estados Unidos sobre a questão fronteiriça.

Ela remete a outras fotos chocantes que chamaram a atenção para os horrores de guerras e para o sofrimento de refugiados e imigrantes — histórias pessoais que são geralmente engolidas pelos eventos maiores. Como a foto de uma criança síria retirada dos destroços em Alepo, na Síria, a de um bebê malnutrido observado por um urubu, no Sudão, e a do menino sírio Aylan Kurdi, que morreu afogado em uma praia da Grécia, o retrato de Martínez e Valéria é suficientemente forte para impactar a opinião pública.

A jovem família de El Salvador — Martínez, de 25 anos, Valéria e sua mãe, Tania Vanessa Ávalos — chegou na semana passada na cidade fronteiriça de Matamoros, no México, na expectativa de pedir asilo aos Estados Unidos. A ponte entre os dois países, entretanto, estava fechada até segunda-feira e, conforme caminharam pelas margens do rio, a água parecia suficientemente tranquila para uma travessia a nado.

A família começou a atravessar o Rio Bravo no meio da tarde de sábado. Segundo Ávalos, Martínez nadava com Valéria nas costas, presa em sua camisa, enquanto ela ia atrás, carregada por um amigo.

Conforme pai e filha se aproximavam do lado americano, Ávalos percebeu que seu marido estava ficando cansado e decidiu voltar à margem mexicana. Quando chegou lá e virou para trás, viu os dois se afogarem e serem arrastados pela correnteza. Na segunda-feira, os corpos foram recuperados pelas autoridades mexicanas, algumas centenas de metros à frente, na mesma posição.

— É muito triste que isso tenha acontecido — disse o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, durante entrevista coletiva nesta terça-feira, afirmando, que conforme o número de imigrantes rejeitados pelos americanos aumenta, “há pessoas que perdem suas vidas no deserto ou cruzando o Rio Bravo”.

Enquanto a foto viralizava nas redes sociais nesta terça-feira, democratas na Câmara dos Estados Unidos davam passos para aprovar US$ 4,5 bilhões em ajuda humanitária para os imigrantes na fronteira com o México.

O deputado Joaquin Castro, líder do grupo latino no Legislativo, estava emocionado enquanto falava sobre a fotografia em Washington. Ele disse esperar que a imagem sensibilize os parlamentares e a sociedade americana para o drama dos imigrantes.