Concebido mais como instrumento de marketing do que como uma política destinada a acelerar a internacionalização do ensino superior, o Ciência sem Fronteiras apresentou problemas desde que foi lançado. Em vez de selecionar alunos de áreas técnicas em que o Brasil carece de especialistas, especialmente no campo das ciências exatas e biomédicas, o programa financiou indiscriminadamente estudantes de quase todas as áreas do conhecimento – inclusive publicidade e comunicações.
Por falta de critérios, de objetivos e de metas, o programa também concedeu indiscriminadamente bolsas de graduação, de mestrado, de doutorado, de especialização e de pós-doutorado, sem prever mecanismos de avaliação de desempenho dos bolsistas. Houve até quem ganhou bolsa para passar um ano nos Estados Unidos, Inglaterra e Canadá sem ter sido submetido a um teste de fluência em língua inglesa. Por não conhecer o idioma, vários bolsistas não conseguiram acompanhar as aulas e retornaram ao Brasil sem aperfeiçoar sua formação intelectual.
Ao ser lançado, em 2011, o Ciência sem Fronteiras previa a concessão de 101 mil bolsas de estudo no exterior, das quais 75 mil seriam financiadas pela União e 26 mil custeadas pela iniciativa privada. Quando tomaram consciência de que o programa não tinha prioridades bem definidas, bancos e empresas tentaram estabelecer critérios objetivos para a seleção dos estudantes cujos estudos financiariam. Mas, alegando que elas estavam usando o programa para financiar mão de obra de que necessitam, as autoridades educacionais rejeitaram esses critérios e impuseram outros. As empresas cancelaram o patrocínio.
A inépcia administrativa também se converteu numa das marcas do Ciência sem Fronteiras. Muitos bolsistas viajaram para o exterior só com a passagem de ida e tiveram dificuldades para se instalar nas cidades que escolheram. Por causa dos atrasos no depósito das bolsas, estudantes ficaram sem recursos para pagar aluguel, alimentação, transporte e plano de saúde. Universidades estrangeiras reclamaram dos atrasos do repasse das verbas para gastos com matrículas, mensalidades e atividades acadêmicas – a ponto de faculdades canadenses de engenharia se recusarem a acolher bolsistas brasileiros. Por excesso de burocracia e de um extenso rol de requisitos estapafúrdios – como a exigência de que as escolas estrangeiras tivessem a mesma carga horária, o mesmo programa das mesmas disciplinas e dos mesmos currículos das escolas brasileiras, além de traduções juramentadas de documentos expedidos por consulados –, os estudantes brasileiros enfrentaram dificuldades para revalidar diplomas emitidos no exterior.
A criação de um programa destinado a reduzir a distância entre as universidades brasileiras e as mais prestigiosas universidades estrangeiras foi recebida como uma boa ideia pela comunidade acadêmica. Mas, da forma desastrosa com que foi implementado e com resultados pífios que produziu, ele representou um desperdício bilionário de recursos escassos. Só em seus primeiros quatro anos, ele consumiu R$ 6,4 bilhões – cerca de 20% do que o governo quer arrecadar anualmente com o restabelecimento da CPMF. O anúncio da suspensão das bolsas do Ciência sem Fronteiras é, na verdade, um epitáfio.
Do Estadão