Do Diario de PE

Em uma rede, um homem padece. Seriam sintomas da catapora. Está encerrado em um dos quartos da casa de corredor comprido, na Rua da Glória, na Boa Vista, no Centro do Recife. Na mesma casa vivem ao todo 45 pessoas, sendo 18 crianças. Desde quando chegaram à capital pernambucana, há pouco mais de um mês, dizem que essa é a rotina: enquanto um convalesce, outro cai doente.

Todos são indígenas venezuelanos do povo Warao. Viviam da agricultura no país de origem. Fugiram da falta de água e da fome. Em meio aos dias difíceis, andam pedindo esmola nas ruas. Usam cartazes com mensagens em português. Reclamam de falta de ajuda do poder público.

Na Rua da Glória há, na verdade, duas casas ocupadas pelos venezuelanos – as de número 400 e 485. Não gostam de conversar com a imprensa porque, segundo eles, nada muda após as entrevistas. As crianças já cruzam a porta do imóvel avisando: “foto não, foto não”. Os indígenas chegaram ao Recife por vias não oficiais no começo do mês passado. Como não estão inscritos em programas sociais, pagam aluguel. Sem renda, contam com a ajuda de anônimos.

Do lado de fora, as crianças brincam sozinhas nas calçadas estreitas. Às vezes, atravessam as ruas sem nem olhar se há carro por perto. Quando os pais deixam as casas para pedir esmolas, levam os meninos e meninas.

Ruan vai às ruas com o irmão e um filho. Leva cartazes para pedir dinheiro. Costuma ir para o bairro de Afogados ou das Graças. Ficam nos semáforos. “Está faltando comida para a gente. Passamos por Manaus, Belém, São Luís do Maranhão e Fortaleza antes de chegar aqui. Já faz seis meses que estamos no Brasil”, contou. “Às vezes a gente é humilhado, mandam a gente trabalhar”, diz Marisol, que não quer fotos ou se identificar, assim como os demais.

Na Venezuela, ela vivia com o marido como agricultora. No centro urbano do Recife, parece perdida. Não vê outra saída a não ser pedir esmolas. “A gente plantava, mas começou a faltar água. Na Venezuela não tem nada”, lamentou. Ela tem um bebê de sete meses. O outro filho, com três anos, vive com a mãe dela, em Fortaleza.

Dentro das casas, é difícil manter a situação sob controle e o ambiente limpo com tantos ocupantes. Enquanto a repórter conversava com Marisol, crianças pegavam bananas de um cacho disposto no chão. Na frente dos imóveis, muitos descartes, como garrafas pet. “Venho todo dia limpar a casa. Eles me dão um quilo de alimento. Me ajudam. Ninguém entra aqui não. É difícil. Ajudei a tratar muita criança com catapora”, comentou Socorro Oliveira, 57 anos, moradora da vizinhança.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde do Recife, profissionais estiveram nas casas nos últimos dias 13 e 14 para prevenir doenças e evitar a proliferação do Aedes aegypti e animais peçonhentos. Também foram passadas aos imigrantes orientações e demonstrações de higienização e organização do ambiente. Segundo a equipe, duas crianças estão em fase de cura da catapora e uma terceira, com oito meses, foi identificada com a doença.

Os venezuelanos estão resistentes em receber atendimento e orientações, segundo a equipe de saúde. Apesar disso, está sendo organizando um esquema de horário estendido na Policlínica Gouveia de Barros, na Boa Vista, para atender aos homens, e viabilização de vagas para consultas odontológicas para as crianças.

Além disso, equipes de Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS) da Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas Sobre Drogas e Direitos Humanos (SDSJPDDH) realizaram visitas para cadastrar as pessoas e assim traçar um perfil e entender suas necessidades. No total, foram cadastrados 70 venezuelanos, sendo 40 adolescentes e crianças, organizados em 15 núcleos familiares. Há necessidades de documentação, emprego e encaminhamento para creches e escolas.

“A Prefeitura do Recife esclarece ainda que vem discutindo com o governo do estado uma solução para acolhimento das famílias que também poderão ser cadastradas no CADÚnico do Governo Federal. No último dia 5, foi realizado mutirão do CADúnico/ Bolsa família com os venezuelanos em questão”, diz um trecho da nota enviada ao Diario.

Em nota, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude informou que fez uma parceria com a Organização Internacional para Migrantes (OIM) e com a Procuradoria Regional do Trabalho para a realização de um evento voltado aos empresários que acontecerá no próximo dia 28, das 14h às 17h, no auditório da Secretaria Executiva de Assistência Social. A ideia do encontro é sensibilizar e orientar os empresários para a contratação de migrantes em suas empresas.

“É importante destacar que o governo do estado acompanha venezuelanos que chegam a Pernambuco por meio do processo de interiorização, que acontece desde julho de 2018. No entanto, ainda é difícil executar o acompanhamento socioassistencial de imigrantes que chegam ao estado espontaneamente ou por vias não oficiais”, diz um trecho da nota enviada pela secretaria estadual.