Do Diario de Pernambuco

Pesquisadores dos Institutos Nacionais (NIH) de Saúde dos Estados Unidos identificaram, em cadáveres de vítimas da Covid-19, as marcas que a doença deixa no cérebro. Há algum tempo, sabe-se que o Sars-CoV-2 provoca danos nos tecidos cerebrais — ainda no primeiro semestre do ano, um estudo brasileiro detectou lesões nesse órgão. Além disso, sintomas cognitivos póstumos reforçam a tese de que a barreira hematoencefálica não consegue conter a trajetória do coronavírus. Porém, o trabalho atual, publicado na revista New England Journal of Medicine, sugere que as lesões não são causadas diretamente pelo micro-organismo, e sim pela resposta imunológica do organismo.

“Descobrimos que o cérebro de pacientes que contraem infecção por Sars-CoV-2 pode ser suscetível a danos microvasculares. Nossos resultados sugerem que isso pode ser causado pela resposta inflamatória do corpo ao vírus”, diz Avindra Nath, diretor clínico do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (NINDS) do NIH e o autor sênior do estudo. “Esperamos que esses resultados ajudem os médicos a compreenderem todo o espectro de problemas que os pacientes podem sofrer para que possamos chegar a melhores tratamentos.”

Atualmente, não há um medicamento específico para Covid-19. Embora ela seja, principalmente, uma doença respiratória, os pacientes, geralmente, apresentam problemas neurológicos, incluindo dores de cabeça, delírio, disfunção cognitiva, tontura, fadiga e perda do olfato. A enfermidade também pode causar acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e outras neuropatologias.

Vários estudos mostraram que a infecção por Sars-CoV-2 desencadeia um processo inflamatório em todo o organismo, associado a danos vasculares. Em um desses estudos, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) encontraram evidências de pequenas quantidades do micro-organismo no cérebro de alguns pacientes. No entanto, os cientistas ainda estão tentando entender como a doença afeta o cérebro.

Na pesquisa publicada ontem, os pesquisadores estadunidenses realizaram um exame aprofundado de amostras de tecido cerebral de 19 pacientes que morreram de Covid-19 entre março e julho. As amostras de 16 deles eram provenientes de Nova York, enquanto as demais foram fornecidas pela Faculdade de Medicina de Iowa. A faixa etária das vítimas variava de 5 a 73 anos. Elas morreram dentro de algumas horas a até dois meses após relatar os sintomas. Muitas tinham um ou mais fatores de risco, incluindo diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares. Oito dos pacientes foram encontrados mortos em casa ou em locais públicos. Outros três desmaiaram e morreram repentinamente.

Sangramentos

Inicialmente, os pesquisadores usaram um escâner especial de ressonância magnética (MRI) de alta potência, que é quatro a 10 vezes mais sensível do que a maioria dos aparelhos do tipo, para examinar amostras dos bulbos olfatórios e do tronco cerebral de cada paciente. Acredita-se que essas regiões sejam altamente suscetíveis à Covid-19. Os bulbos olfatórios controlam o olfato, enquanto o tronco cerebral monitora a respiração e a frequência cardíaca. As varreduras revelaram que ambas as áreas tinham abundância de pontos brilhantes, chamados de hiperintensidades, que geralmente indicam inflamação, e de pontos escuros, chamados de hipointensidades, que representam sangramento.

Os pesquisadores usaram os exames de imagem como um guia para, com um microscópio, examinar os pontos mais de perto. Eles descobriram que os brilhantes continham vasos sanguíneos que eram mais finos do que o normal e, às vezes, vazavam proteínas hematológicas, como o fibrinogênio, para o cérebro. Isso pareceu desencadear uma reação imunológica. As manchas eram rodeadas por células T presentes no sangue e por células imunológicas do próprio órgão, chamadas micróglias. Já as manchas escuras continham vasos sanguíneos coagulados e com vazamento, mas nenhuma resposta imune.

“Ficamos completamente surpresos. Originalmente, esperávamos ver danos causados pela falta de oxigênio. Em vez disso, vimos áreas multifocais de lesões que geralmente estão associadas a derrames e doenças neuroinflamatórias”, relata Nath. Finalmente, os pesquisadores não viram sinais de infecção nas amostras de tecido cerebral, embora tenham usado vários métodos para detectar material genético ou proteínas do Sars-CoV-2. “Até agora, nossos resultados sugerem que o dano que vimos foi causado pela infecção direta do vírus no cérebro”, afirma Nath. “No futuro, planejamos estudar como a Covid-19 prejudica os vasos sanguíneos cerebrais e se isso produz alguns dos sintomas de curto e longo prazo que vemos nos pacientes.”

Alterações químicas

Há duas semanas, outro estudo, da Universidade de Harvard também encontrou lesões semelhantes à da falta de oxigênio no cérebro de pacientes de Covid-19. Assim como na pesquisa dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, porém, os cientistas detectaram sinais indicando que a hipóxia não era a única responsável pelos danos identificados em exames de imagem.

Esse é um dos primeiros estudos baseados em imagens espectroscópicas de lesão neurológica em pacientes vivos com Covid-19. O estudo foi publicado na revista American Journal of Neuroradiology. Observando seis pessoas por meio da técnica de ressonância magnética especializada (RM), os cientistas descobriram que aquelas com sintomas neurológicos apresentavam alguns dos mesmos distúrbios metabólicos cerebrais que indivíduos que sofreram de privação de oxigênio por outras causas. As diferenças também são notáveis, destaca o artigo.

“Estávamos interessados em caracterizar as bases biológicas de alguns dos sintomas neurológicos da Covid-19”, diz Eva-Maria Ratai, pesquisadora do Departamento de Radiologia e autora sênior do estudo. “No futuro, também queremos compreender os efeitos persistentes de longo prazo da doença, incluindo dores de cabeça, fadiga e deficiência cognitiva”, acrescenta Ratai, professora-associada de radiologia da Faculdade de Medicina de Harvard.

Biópsia virtual

Os pesquisadores usaram espectroscopia de ressonância magnética de 3 Tesla, um tipo especializado de varredura que, às vezes, é chamado de biópsia virtual. O exame pode identificar anormalidades neuroquímicas mesmo quando o resultado visto nas imagens aparenta ser normal.

O cérebro dos pacientes com Covid-19 mostraram redução de N-acetil-aspartato (NAA), elevação de colina e elevação de mio-inositol, semelhante ao que é visto com esses metabólitos em outros pacientes com anormalidades da substância branca (leucoencefalopatia) após hipóxia sem Covid-19. “Uma questão-chave é se é apenas a diminuição do oxigênio no cérebro que está causando essas alterações na substância branca ou se o próprio vírus está atacando a substância branca”, diz o neurorradiologista Otto Rapalino, do Hospital Geral de Massachusetts. De acordo com Rapalino, os cientistas trabalham, agora, para chegar a essa resposta.

Remdesivir pode gerar colapso
Cientistas da Universidade de Cincinnati, nos EUA, recomendam cautela no uso do remdesivir como tratamento para a Covid-19. Segundo os autores, a droga interrompe permanentemente a atividade da enzima CES-2, que é encontrada no intestino, fígado e rim e é necessária para a repartição de muitos medicamentos. O uso indiscriminado do remédio pode gerar um colapso no organismo do paciente e comprometer o funcionamento de outros medicamentos, como os voltados para complicações cardíacas. “Claramente, o tratamento deve ser usado para os pacientes certos e nas dosagens adequadas, com cuidado quando usado em combinação com outros medicamentos”, alerta Bingfang Yan, autor principal do estudo, divulgado na última edição da revista Fundamental & Clinical Pharmacology.