Do G1

“Sabe aquela imagem da mulher maravilha, que tem nos desenhos? Que é aquela mulher de força e poder? Ela se encaixa perfeitamente em uma mãe”. É assim que a empreendedora de Petrolina, no Sertão Pernambucano, Marina Mendes, mãe da Malu, de quatro anos, descreve o entendimento social de maternidade.

Apesar desta ser uma imagem difundida, nem sempre é a que as mães gostariam de assumir. De acordo com a Professora Doutora em Sociologia do Colegiado de Ciências Sociais da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Paula Galrão, essa imagem está atrelada à romantização da maternidade, que acaba gerando cobranças excessivas às mulheres que desempenham esse papel.

“Eu acredito que há uma romantização que a sociedade demanda à mulher enquanto mãe. Esse papel social, da identidade feminina vista a partir da maternidade, é complicado. Se supõe que a mulher só é completa se for mãe. E ainda há uma demanda de como a mulher precisa agir para ser uma boa mãe e perfeita, mas ninguém é perfeito”, pontua.

A estudante universitária Bruna Barbosa, mãe de Joaquim Santxiê, de dois anos, acredita que essa construção do papel que a mãe deve exercer acaba tornando a experiência da maternidade frustrante em alguns momentos. “A romantização é uma realidade na maternidade e o reflexo disso é a quantidade de mães que se sentem frustradas por não se encaixarem nesse padrão de ‘super mãe’ que a sociedade vende e nos impõe todos os dias, para que nós mulheres sigamos nos achando solitariamente responsáveis por nossos filhos e filhas. É mais uma forma de desviar o foco das mulheres, para não lutarmos por nossos direitos, nos excluírem da sociedade e nos voltarmos apenas à maternidade”, declarou.

Para Paula Galrão, a romantização da maternidade e a cobrança social que as mulheres sofrem quando se tornam mães têm uma raiz histórica. “A ideia central nas sociedades modernas é que da mulher não é esperado que assuma a esfera da rua. Da mulher, espera-se que esteja na esfera doméstica, na gestão e cuidado com a casa, com a prole, espera-se construir o papel a partir da mulher enquanto procriadora, atrelada não à esfera pública, da palavra, do debate, do poder, mas dos cuidados e emoções. Então, há esse pensamento dicotômico de quem funcionaria em cada esfera. Desde a Revolução Francesa, ela [mulher] ficou restrita ao que sobrou. A partir daí ela precisa de excelência, ser ótima, porque isso é ‘natural’ dela. Existem teorias para provar a capacidade racional do homem, que buscam diminuir a mulher, alegando que não estão aptas para atividades como esportes de luta. A partir desses debates públicos e científicos veio a cobrança social para mulher exercer o que é considerado natural e que fez com que acreditassem que é o ideal”.

Um outro aspecto reforçado com a cobrança social é a anulação dos outros espaços da vida após a maternidade. “A mãe tem que ser vista como comercial de margarina, perfeita, serena e paciente. Qualquer aspecto diferente desse é abominado pela sociedade. Entende-se que se você virou mãe, você não pode fazer nada que fazia antes, porque sua vida é em prol do seu filho. Para a maioria das mães, com certeza é, para mim é também, mas eu não me anulo como uma pessoa e mulher, pois filho cresce e vai viver suas escolhas, que já foram as nossas também em algum momento”, exemplificou Marina.

Para Bruna, essa anulação se reflete na vida profissional, quando por exemplo as mães são proibidas de assistirem aulas com a presença dos filhos. “A violência estrutural da sociedade, nós mães sofremos todos os dias. E quando isso se estende às instituições é muito mais gritante. Vemos universidades que deveriam ter o ensino universal como base de princípios, atitudes de violência direta às mulheres mães que acabam nos excluindo dos espaços e nos limitando intelectualmente. Essa é a pior coisa da maternidade, pois essas exclusões tornam a maternidade um caminho muito solitário”, lamentou.

Na opinião de Paula, o único caminho para que haja uma concepção mais ampla da maternidade é a educação. “A principal forma [de iniciar essa mudança] é a gente desconstruir as naturalizações. A mulher tem uma possibilidade de ser mãe, não é fatalidade. Ela pode ser milhões de coisas além de mãe. O segundo ponto é desconstruir a ideia do que seria uma boa mãe. Por trás dessa ideia está o que se espera na separação de gênero nas expectativas sociais, em que o homem ocupa a esfera da rua e a mulher a esfera da casa. Apenas por meio da educação é possível traçar essas desconstruções. Não só da educação escolar ou doméstica, porque outros espaços educam, como a mídia, os movimentos sociais, a internet. Outro ponto é possibilitar que mães ocupem espaço. Existem muitos empregadores que rejeitam a mulher, então a gente precisa que a sociedade conceba a mulher além da maternidade. Só por meio da educação mais ampla, que conscientize que esses papéis são construções sociais e não dizem respeito ao natural”, explicou.

Apesar das dificuldades no exercício da maternidade, Bruna não esconde a satisfação ao descrever as descobertas dessa fase com o pequeno Joaquim. “A melhor coisa da maternidade não é uma coisa, são momentos, caminhos, aprendizados. É compreender que mulher nenhuma nasceu pra ser mãe, e que o tornar-se mãe é uma construção diária, onde o aprendizado é mútuo e onde podemos conhecer o real sentido do amor. Na maternidade, temos a oportunidade de nos empoderar de nós mesmas, expandir o conceito de ser mulher, aprender mais sobre empatia, sobre paciência, e perceber que enquanto achamos que estamos criando um ser humano, somos nós que estamos construindo uma nova mulher, nos reinventando”, finalizou.