Por Tarcisio Rodrigues, escritor e presidente da Casa da Cultura de Serra Talhada

Devidamente fardado caminhava de mãos dadas com minha irmã mais velha, ia para escola, para o Jardim da Infância que cursava na Escola Normal, ou Escolinha, como era chamada naquela época. Escola das freiras Vicentinas e onde só estudava mulheres. Sexo masculino, como no meu caso, só no Jardim da Infância, sob a rigorosa disciplina de Irmã Apoline e sua fiel escudeira e ajudante, Maria Emília, que mais tarde viria a ser também uma irmã de caridade.

Maria Emília, minha querida amiga irmã Emília já faleceu, já irmã Apoline, não sei dizer onde anda. Mas Fechando os olhos parece ter sido ontem. Tinha se muito, meus cinco anos de idade. E voltando ao início: lá ia eu levado pela minha irmã. Ela cursava o normal, era normalista – interessante como é saudoso este nome – e eu, como já disse, ia para minhas aulas do Jardim da Infância. No caminho passávamos por um prédio em reforma. Entulhos e materiais de construção se espalhavam pela calçada. Era brita, areia, cimento, peneiras, tábuas, pás, e um tanto de outras parafernálias da construção que nos forçava a desviar um pouco o caminho. Era o preço do  progresso.

A reforma-construção ficava ali na Rua Comandante Superior, naquele conjunto de lojas onde hoje funciona a scarlet modas, e a construção, ou reforma, não sei dizer o que era exatamente, era para abrigar a agência do Banco do Brasil, que funcionava na Rua Cornélio Soares (Rua dos Correios) e que precisava de um local maior. Estávamos orgulhosos, Serra Talhada crescia. Uma coisa marcou minha memória infantil naquela construção: uma moradora de rua, ou uma “doida”, como dizíamos na época, que morava lá no meio daqueles entulhos.

Maltrapilha, com roupas aos trapos, cabelos despenteados, com as pontas apontando para o céu e duros de grude, ela empunhava um cajado, na verdade um pedaço de ferro, possivelmente sobra ali da construção, e toda vez que passávamos, todo dia, ela se punha a dançar em rodopios, batendo com o ferro no calçamento e cantando: “Karolina foi pru samba Karolina, pra dançar o xém nhém, nhém, Karolina, hum… hum, hum, Karolina…”. Era o sucesso dá época, cantado por Luiz Gonzaga, o rei do Baião, e ela repetia a canção e dançava, cantando o refrão.

Minha irmã desviava o caminho, apertava mais ainda minha mão e caminhávamos em direção a escola. Lá adiante eu virava a cabeça e ainda via ela dançando e cantando. Nunca soube o nome daquela “doida”, para mim era Karolina, não sei outro, só sei que até hoje a música, sempre que toca me trás de volta a lembrança a imagem de “Karolina”, dançando e cantando, e nos meus ouvidos ainda eco o som da barra de ferro no calçamento, fazendo cadência para aquela cena. Se alguém da época se lembra dela e souber, por favor me diga o nome daquela personagem.