Cédula de peso argentino – Foto: Maxi Gagliano/Pexels

Por Folha de Pernambuco

Em poucos meses no cargo, o presidente argentino Javier Milei realizou um feito e tanto para um país devastado pela inflação galopante: estabilizou a moeda.

Na verdade, o peso não só parou de se desvalorizar um dia após o outro, mas registrou uma forte apreciação. Em um dos mercados de câmbio paralelo mais importantes do país – que tem várias cotações diferentes – o peso teve uma valorização de 24,4% em relação ao dólar nos últimos três meses.

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Essa é alta considerando a taxa conhecida como blue-chip swap, usada por muitos investidores e empresas. E é uma valorização que supera qualquer uma das 148 moedas que a agência Bloomberg acompanha em relação ao dólar.

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A cotação oficial do peso, neste período, caiu 5,8% em relação ao dólar – e uma das estratégias do governo Milei foi justamente aproximar os valores entre nas negociações cambiais regulares e o mercado paralelo.

Veja, abaixo, como as principais moedas se comportaram frente ao dólar nos últimos três meses:

  • Argentina (peso no mercado paralelo): +24,4%
  • Quênia (shilling): +21,1%
  • Uruguai (peso): +1,4%
  • Peru (sol): +1%
  • México (peso): +0,6%
  • Índia (rúpia): -0,2%
  • China (yuan): -1,5%
  • Euro: -1,8%
  • Reino Unido (libra): -2,3%
  • Rússia (rublo): -3,8%
  • Brasil (real): -4,4%
  • Chile (peso): -4,7%
  • Japão (iene): -4,9%
  • Suíça (franco): -5,6%
  • Argentina (peso): -5,8%
  • Turquia (lira): -7%

É um dado impressionante em um país onde a moeda parecia estar em constante queda livre. Na última década, a menor depreciação anual registrada pelo peso foi de nada menos do que 15%. E é resultado da política de austeridade de Milei, que controlou os gastos públicos mas, ao mesmo tempo, sufocou a demanda por tudo incluindo dólares.

Milei gosta de chamar seus cortes de gastos de “os maiores da história da humanidade”. Isso é quase certamente um exagero, é claro, mas não muito. Os cortes que impôs equivalem a quase 4% do PIB do país, um ajuste tão agressivo que autoridades do banco central estimam que seja superior a 90% de todos os cortes realizados no mundo nas últimas décadas.

– A grande novidade na Argentina é que a pessoa no comando não está preocupada em pagar o custo político que vem com a austeridade, isso é raro – disse Javier Casabal, chefe de pesquisa da AdCap Grupo Financiero em Buenos Aires – O objetivo do governo continuará a ser acabar com a inflação.

O peso está indo tão bem agora que o banco central tem conseguido entrar no mercado diariamente para comprar dólares e repor reservas internacionais, enquanto as autoridades monetárias em boa parte do mundo atualmente fazem o oposto para apoiar suas moedas face à força global do dólar.

O governo já sinalizou que a promessa de campanha de Milei, de dolarizar a economia, só ocorrerá quando o país conseguir recompor suas reservas internacionais. Ao mesmo tempo em que a valorização do peso consegue domar a inflação – ao custo de uma forte contração na atividade econômica – o risco, segundo analistas, é que o freio na disparada dos preços não venha na velocidade necessária. Afetando ainda mais a confiança dos consumidores argentinos

Outro risco é a valorização do peso desencorajar as empresas a exportar produtos e afastar os turistas estrangeiros.

“Quando os exportadores pararem de vender, o peso paralelo vai se enfraquecer” afirma Melina Eidner, economista da PPI, uma corretora em Buenos Aires.

Carlos Pérez, diretor da empresa de consultoria Fundación Capital, lembra que muitos argentinos que guardavam dólares sob o colchão agora estão sendo forçados a vender essas reservas financeiras para obter os pesos necessários para pagar os itens do dia a dia após a disparada da inflação:

“Seus salários não são suficientes.”

A forte valorização do peso chega a ser irônica para um presidente que, na campanha eleitoral, chamava a moeda do país de “excremento” e dizia que ela deveria ser totalmente abandonada pela dolarização.

A questão é por quanto tempo Milei poderá manter essa valorização do peso. Para Casabal, da AdCap, pelo menos até julho as coisas devem permanecer tranquilas. Depois disso, ele não está tão certo. Ele se preocupa com as pressões políticas que Milei poderá enfrentar.

“A fragilidade política na Argentina pode desconectá-lo dos fundamentos (econômicos) e desencadear um aumento na taxa de câmbio.”