Do RFI

 

As forças ucranianas mantêm a pressão no sul do país na tentativa de expulsar os russos de algumas cidades ocupadas. O exército de Kiev segue avançando em direção a Kherson, tomada por Moscou em março. Nas localidades liberadas, a rotina retoma lentamente, com uma população traumatizada pelas violências e o temor das tropas da Rússia.

Anastasia Becchio e Boris Vichith, enviados especiais da RFI à Ucrânia, com AFP

 

Diante de sua casa, a carcaça de um velho automóvel Moskvitch, com buracos de bala e marcado pela letra Z – uma referência ao exército russo – não deixa Irina, moradora de Vysokopillya, no sul da Ucrânia, se esquecer da ocupação. “Gostaria de me dizer que tudo aquilo foi apenas um pesadelo, mas saio da minha casa e me deparo com tudo isso”, diz à reportagem da RFI.

Ela conta que o filho foi ferido ao defender uma vizinha assediada por soldados russos. Irina lembra que também temeu pelo destino da filha de 15 anos. “Certo dia soldados russos de 19, 20 anos, que vasculhavam as casas em busca de álcool, viram minha filha. Agradeço a Deus que eles não viram de onde ela havia saído porque eles voltaram, dois dias depois, perguntando para um vizinho onde vivia a garota. Ele respondeu que ela tinha ido embora daqui”, relembra.

Alguns dias mais tarde, Irina decidiu enviar a adolescente para uma cidade longe da área ocupada pelas tropas russas. Em outro bairro de Vysokopillya, a deputada Viktoria Rogova também decidiu esconder a filha de 18 anos dos soldados, temendo que ela fosse estuprada.

“Eles tinham um comportamento muito malvado. Eles tanto se embebedavam quanto se drogavam. Minha filha ficava escondida boa parte do tempo, nunca saía. Ela ia da casa para o porão, do porão para a casa e era tudo”, diz.

Ainda sob o choque, civis tentam reconstruir suas casas e retomar a vida normal. Eles também aguardam impacientemente a volta da energia elétrica cortada nas cidades da região invadidas pelos russos, no último 12 de março.

Tropas ucranianas avançam em direção de Kherson

 

A contra-ofensiva ucraniana continua avançando com o objetivo de retomar a maior cidade no sul do país, Kherson, que dá acesso à Crimeia, península anexada pela Rússia em 2014. Moscou promete reforçar a presença militar na região para resistir.

Os ucranianos dispõem de cerca de seis semanas antes que a neve chegue e prejudique os planos de Kiev. Segundo o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a Rússia enviou novos contingentes à região e dispõe de cerca de 30 batalhões táticos nos arredores de Kherson; cada uma dessas unidades conta com 800 soldados e controla uma parte específica do fronte.

As autoridades ucranianas estão a par das dificuldades para atingir seus objetivos. “É uma enorme força militar e será complicado vencê-la”, advertiu nesta semana o conselheiro presidencial Oleksiï Arestovitch.

Violentos combates na região chegaram a arrasar localidades inteiras, como Kobzartsi, que praticamente deixou de existir. Com suas ruas principais ocupadas por escombros, a impressão é de se transformou em uma cidade fantasma. No entanto, muitos moradores se escondem porões, temendo novos ataques russos e a explosão de bombas deixadas pelo caminho pelo exército de Moscou.

O comandante da unidade de artilharia local é um homem de 47 anos que se identifica como “Anaconda”. Ele reconhece que no início da guerra não sabia utilizar nenhuma arma, mas deixou às pressas seu trabalho na aduana ucraniana para se juntar às forças nacionais. “Estamos tentando fazer o nosso melhor, da maneira que podemos. Avançamos um pouco a cada dia”, garante.