De Congresso em Foco – Por Ricardo Capelli

As revelações de Glenn Greenwald têm motivado um conjunto de análises e apostas. Não há dúvida sobre a gravidade dos diálogos, nem sobre o interesse público na divulgação. O normal seria o afastamento de Moro e Dalagnoll. Mas o Brasil vive uma situação de normalidade?

Bolsonaro foi eleito saudando o torturador Brilhante Ustra em alto e bom som. Defendeu durante o processo eleitoral aniquilar os “inimigos da pátria”. Fez da arma seu símbolo de campanha. Sempre tratou seus opositores como bandidos.

Jamais escondeu seu compromisso frágil com a democracia. Pode-se dizer tudo, menos que o povo não sabia em quem votava.

Diante disso, o que são as revelações do Intercept perto da legitimação pelas urnas da violência política? Se a tortura é relevada, qual a importância de um suposto conluio entre agentes públicos para pegar “corruptos poderosos”?

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Ainda existem no Brasil instituições com coragem para adotar posições contramajoritárias ou viramos espectadores de um grande Coliseu, aguardando o “incêndio do Reichstag”?

O golpe fraturou a sociedade. Quando questionou o resultado das urnas e fez do impeachment bandeira, Aécio Neves não tinha noção do ovo da serpente que chocava. Os partidos caíram junto com Dilma, asfaltando o caminho do obscurantismo.

A democracia é legitimada no reconhecimento da importância do adversário e na defesa da sacralidade das regras. Os partidos são os guardiões contra tiranos que ameacem as instituições. Sem partidos não há Estado Democrático de Direito.

É fato que as revelações do Intercept queimaram uma “gordura” de Moro. E uniram de vez a Lava Jato com o governo. O ministro passou de apoiador a dependente de Bolsonaro.

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Se não surgir nenhuma nova bomba, o mais provável é que nada mude no governo. Seria burrice Bolsonaro demitir Moro. Perde apoio de uma base sem ganhar nada em troca.

O episódio pode, inclusive, acabar virando um sinal claro de que a população apoia quaisquer meios para que os fins prometidos sejam alcançados. Conluios entre políticos e empresários quebraram o país? “Agora são conluios do bem, para defender a nação”.

Parte da elite e do sistema político apoiou essa aventura pensando ser capaz de domá-la.

Analistas diziam que era questão de tempo. A realidade iria “naturalmente se impor” ao capitão. Os ataques às instituições continuam e, até o momento, não há qualquer sinal de retomada do presidencialismo de coalizão.

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Teremos PIB negativo ou próximo de zero este ano. Os mesmos analistas dizem que esse será o ponto de inflexão do governo. A população culpará o presidente, que, fraco, terá que se recompor com a política e com as instituições. Será?

Que tal culpar a política e a democracia pela crise, “entulhos que impedem a revolução que o país necessita e a população tanto almeja?”

O jornalismo brilhante de Glenn Greenwald pode estar batendo na parede sombria que divide o Brasil neste momento. Ao invés de Moro e Deltan, o que parece estar sendo cozido em fogo brando é a democracia.