do Estadão

Horas depois de Neymar publicar em seu site um texto intitulado “Quatro perguntas ao procurador Thiago Lacerda”, o Ministério Público Federal em Santos (MPF-SP) decidiu detalhar a denúncia protocolada no último dia 27 na Justiça Federal e que já havia sido revelada no fim de semana pela revista Veja. O craque e seu pai, também chamado Neymar, são acusados de sonegação tributária e falsidade ideológica. O longo texto publicado no site do MPF não entra no mérito, explorado pelo comunicado emitido mais cedo pelo jogador, de que o Santos foi quem solicitou a abertura da empresa NR Sports para poder fazer pagamentos ao atleta.

O MPF, entretanto, procura detalhar como o jogador e seu pai aproveitaram-se da criação de empresas do que o MPF chama de “Grupo Neymar” para receber pagamentos relativos a direitos de imagem, salário e outros rendimentos. Ao receber por meio de empresas, Neymar pagou impostos menores do que os que deveria à Receita Federal como pessoa física. A denúncia do MPF, entretanto, vai muito além dos pontos levantados mais cedo por Neymar, alegando que o jogador, seu pai, e dois presidentes do Barcelona (Sandro Rosell e Josep Bartomeu) “forjaram uma série de documentos entre 2006 e 2013 com o intuito de suprimir impostos devidos à Receita Federal do Brasil”.

De acordo com o MPF, “os esquemas arquitetados envolveram três empresas ligadas à família do atacante”, que “não possuíam capital social nem capacidade operacional condizentes com a movimentação financeira realizada”. Ainda de acordo com a denúncia, “as fraudes foram praticadas em contratos relacionados ao uso do direito de imagem de Neymar enquanto atuava pelo Santos, a partir de 2006, e durante o processo de transferência do jogador ao Barcelona, cujas negociações tiveram início em 2011”.

“A conduta de Neymar, com a participação dos demais denunciados, gerou prejuízos milionários aos cofres públicos”, destaca o site do MPF, que lembra que, em setembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região bloqueou R$ 188,8 milhões do jogador, do pai e das empresas da família.
Rebatendo a nota publicada mais cedo por Neymar, o MPF diz que ele e seu pai “puderam, por meio de advogados, ter acesso a documentos e se manifestar”. “Atendendo a pedido da defesa, o MPF chegou a ouvir o pai do jogador no curso do inquérito”, lembra o MPF.

CONFIRA O TEXTO PUBLICADO PELO MPF DETALHANDO A DENÚNCIA CONTRA NEYMAR:

“Entre 2006 e 2013, o pai do atleta foi o principal mentor e articulador de uma série de fraudes contratuais para o uso do direito de imagem de Neymar, sobretudo por meio da Neymar Sport e Marketing. Diversos contratos foram firmados no período com empresas, o Santos Futebol Clube e o Barcelona para a realização de trabalhos publicitários e a exploração da imagem do atacante em atividades de promoção das agremiações esportivas. Os serviços eram prestados unicamente por Neymar, mas os recursos eram pagos à firma controlada por seu pai como forma de diminuir a base de cálculo de tributos e, assim, reduzir a parcela devida à Receita Federal.

A sonegação envolvia mais de 55% dos valores a serem pagos em tributos. A diferença se deve à forma de cálculo das alíquotas que incidem sobre contribuintes físicos e jurídicos. Consideradas as altas quantias das transações, Neymar seria obrigado ao pagamento de 27,5% dos valores desses contratos a título de Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). No entanto, o uso de uma pessoa jurídica para o recebimento das cifras referentes a serviços prestados no Brasil reduziu a fatia para 12,53%. Em acordos com empresas no exterior, o desfalque passou de 67%, uma vez que a parcela de impostos sobre os rendimentos de empresas auferidos fora do país chega a apenas 8,88%.

As investigações apontaram irregularidades na própria constituição da Neymar Sport e Marketing. A empresa foi fundada em abril de 2006, com capital social de somente R$ 5 mil e um único ativo: o uso da imagem de um jogador profissional de futebol. Ainda que sem estrutura suficiente para isso, a firma dedicava-se exclusivamente ao gerenciamento de contratos publicitários e de marketing, trabalhos realizados individualmente por Neymar.

“A prestação de serviços está vinculada ao desempenho personalíssimo do atleta, e a abertura da sociedade teve como único objetivo a redução da carga tributária incidente sobre os rendimentos auferidos pelo atleta, já que a empresa não possui atividade econômica”, escreveu o procurador da República Thiago Lacerda Nobre, autor da denúncia. “Todas as ‘suas receitas’ são provenientes dos serviços prestados pelo atleta, e a pequena estrutura operacional da empresa não foi utilizada na prestação de serviços.”

Publicidade – Para viabilizar a assinatura de parte dos acordos, o pai de Neymar foi responsável também pela simulação de um contrato de cessão de imagem do atacante à Neymar Sport e Marketing em 2009. O documento nunca foi registrado em cartório e traz apenas uma cláusula, segundo a qual o jogador transferia à empresa todo e qualquer “direito de sua imagem” até o fim de 2020. Além de esse direito ser inalienável (somente o uso do direito pode ser concedido), chamou a atenção dos investigadores o fato de não haver no pacto nenhuma menção a valores, como se a cessão tivesse ocorrido de graça.

Coincidentemente, o contrato de cessão foi assinado no mesmo dia em que o atleta firmou acordo com a Nike European Operations Netherlands, o primeiro grande contrato de publicidade de sua carreira. “É claro que Neymar Júnior não cederia esses direitos a terceiras pessoas com quem não tivesse qualquer vínculo. Só agiu dessa forma por se tratar a concessionária de uma pessoa jurídica familiar e, com isso, reduziu a tributação incidente sobre os rendimentos auferidos”, destacou Nobre.

A partir de então, o atleta prestou serviços de publicidade a diversas companhias com a participação da Neymar Sport e Marketing. Em alguns deles, os pactos foram assinados diretamente pelo atacante, com pagamentos realizados à empresa. Em outros, a signatária era a própria firma, juntamente com o jogador. Pelo menos 15 contratos publicitários foram fechados entre 2009 e 2013 segundo esses procedimentos, todos com o intuito de se sonegar imposto.

Santos – O contrato de cessão de imagem foi utilizado também para justificar a participação da Neymar Sport e Marketing na assinatura dos contratos de uso de imagem do atacante com o Santos entre 2006 e 2013. No entanto, dos oito acordos cumpridos ao longo do período, dois foram firmados antes de pai e filho simularem a cessão do direito de imagem de Neymar à empresa, um dos quais é anterior ainda à emissão do registro da companhia familiar.

“Como poderia constar o CNPJ da Neymar Sport num contrato celebrado com o Santos Futebol Clube no dia 10 de maio de 2006 se o CNPJ da referida empresa somente foi expedido no dia 22 de maio de 2006?”, questiona o procurador. “A resposta só pode ser uma: o contrato foi antedatado, ou seja, a data colocada no contrato é anterior à sua confecção. Trata-se, pois, de documento ideologicamente falso”, conclui.

As quantias por direito de imagem, na verdade, consistiam em verbas salariais, já que eram pagas parceladamente e sem correspondência com contratos publicitários eventualmente prospectados pelo Santos. Nos oito anos de permanência de Neymar na Vila Belmiro, o jogador recebeu, a título de salário, valor quase cinco vezes inferior ao montante referente ao uso de sua imagem. O retorno em verbas publicitárias ao clube, por sua vez, foi de apenas um décimo daquilo que declaradamente pagou ao atleta como compensação à exploração comercial.