Foto: Reprodução/Unicef

Por Metrópoles

Fenômenos climáticos extremos, como tempestades devastadoras, secas e altas temperaturas, podem impactar fortemente sobre a saúde humana, com a ecassez de água e insegurança alimentar, além de causar acidentes e tragédias. Porém, um novo “reflexo” das mudanças climáticas tem sido observado: o aumento nas taxas de casamentos infantis. É o que revela uma pesquisa da Universidade Estadual de Ohio (EUA), publicada recentemente na revista International Social Work.

Segundo o estudo, o aumento das alterações do clima exercem maior impacto nas comunidades instaladas em territórios vulneráveis. Isso leva as famílias a tomarem decisões extremas, como recorrer ao casamento infantil como uma maneira de enfrentar a vulnerabilidade econômica e a insegurança alimentar causadas pelas catástrofes. Neste contexto, mulheres e meninas são ainda mais afetadas.

No Brasil, uma pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul estão entre os estados com mais desastres naturais entre 2013 e 2022.

Não coincidentemente, são nessas regiões que se concentram os maiores índices de casamento infantil. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostram que, em 2021, Minas Gerais (2.107), Bahia (1.150), Pernambuco (997) e Rio Grande do Sul (669) foram os estados que registraram o maior número de matrimônios envolvendo crianças e adolescentes abaixo de 18 anos no país.

Gabriela Goulart, oficial de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do Unicef, explica que fatores econômicos são um dos principais estimuladores do casamento infantil.

“Existe uma expectativa das próprias famílias em alcançarem segurança financeira, uma esperança de que, com o casamento, a vida vai melhorar socioeconomicamente”, diz Gabriela.

Os pesquisadores identificaram que as mudanças climáticas agravam em pelo menos 20 países problemas que contribuem para a disseminação de casamentos infantis forçados.

Estratégia de sobrevivência

Embora secas e inundações tenham sido os desastres mais frequentemente relacionados ao impacto de ciclones e altas temperaturas, outros fenômenos meteorológicos foram analisados.

Fiona Doherty, principal autora do estudo e doutoranda em serviço social no estado de Ohio, explica que as condições climáticas extremas não causam, diretamente, o aumento dos casamentos infantis.

Em vez disso, esses desastres agravam questões preexistentes relacionadas à desigualdade de gênero e à pobreza, que por sua vez empurram as famílias para o casamento infantil como uma estratégia de sobrevivência.

Essa dinâmica evidencia a forma com que os impactos das catástrofes climáticas estão interligados com questões sociais, como a desigualdade e a pobreza, e podem servir de catalisador para a prática do casamento infantil em comunidades vulneráveis.

Além disso, o relatório aponta que não se trata apenas de uma questão econômica. Documentos analisados de 1999 a 2021 revelam que o deslocamento causado por desastres naturais leva famílias a campos de refugiados, onde meninas menores de idade estão sob constante risco de abuso sexual.

Para os pesquisadores, a melhor maneira de mitigar essa situação é melhorar as condições que geram desigualdade em todas as sociedades.

Casamento infantil

O casamento infantil, também conhecido como casamento na infância ou na adolescência, é uma prática reconhecida internacionalmente como uma grave violação dos direitos humanos, e ocorre quando um ou dois nubentes são menores de 18 anos.

O matrimônio na infância ou adolescência desafia o princípio fundamental estabelecido no Artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma que o casamento deve ser celebrado apenas com o livre consentimento das partes envolvidas.

Essa forma de casamento pode ser considerada, em muitos casos, como uma forma de casamento forçado, uma vez que as crianças e adolescentes geralmente são incapazes de expressar um consentimento.

No Brasil, as leis permitem o casamento sem autorização dos pais a partir dos 18 anos, mas adolescentes a partir dos 16 anos podem se casar com o consentimento de seus pais ou representantes legais. A exceção é feita no caso de gravidez antes dos 16 anos.

Uniões informais e situações de coabitação

O Brasil figura como o quarto país com o maior número de casos de casamento infantil e de adolescentes. Esse tipo de matrimônio tende a ocorrer mais frequentemente na adolescência, geralmente a partir dos 12 anos.

O casamento infantil e precoce no país muitas vezes é marcado por uniões informais e situações de coabitação. Além disso, está ligado a fatores como pobreza, violência doméstica e falta de perspectivas de vida das jovens.

As principais razões para esse fenômeno incluem a gravidez indesejada, o controle dos pais sobre a sexualidade das filhas, a necessidade de apoio financeiro, a falta de perspectiva de vida das jovens e o desejo de maridos de se casarem com meninas mais jovens e “obedientes”.