Publicado às 04h56 desta terça-feira (4)

Por Flaviano Roque, cronista serra-talhadense

Essa manhã teve pedal. Acordei cedo, coloquei um pouco de café para passar, vesti meu traje ciclístico e, sem muita demora, saí para ganhar o mundo. Invejo aos bons de sono, sem muito custo, conseguem não ver o galo cantar. Comigo o oposto se instala: preciso acordar cedo para bem desfrutar do dia.

É bom olhar para o alto da Serra nestas manhãs de orvalho tão atípicas do sertão, pois o calor de setembro não demora a chegar. Hoje fui até o trevo que dá para o distrito do Bernardo Vieira, aproximadamente 30 km de ida e volta. No caminho, fiz disputa com um senhor (ele estava em uma Monark antiga bem veloz), por certo voltando de alguma atividade rural.

Ao leitor entusiasmado, por que não experimenta andar sobre duas rodas? Não existe melhor veículo para se transportar. No começo poderá estranhar, apesar disso, há muita filosofia de vida em todo “pedaleiro”, vai perceber também que a melhor exploração da força humana, como há muito tempo no mundo, sempre sucede em benefício próprio. Nesse ponto os utilitaristas têm razão, sem esforço, são poucas as possibilidades de vitória.

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A bicicleta, embora por aqui não tenhamos tantos lugares próprios para o ciclismo amador — quiçá para os pedestres que, ansiosos por alguma prática esportiva, têm cada vez mais disputado espaço com os carros na beira das vias federais — é um móvel equilibrado para percorrer distâncias. Está aí a palavra: equilíbrio. É preciso confiar em pessoas que, desde muito cedo, conseguem fazer malabarismos sobre rodas. Desde iniciantes e franzinos, como eu, até aqueles aptos a fazerem do esporte uma curva sem volta (e Serra Talhada tem grandes nomes, a exemplo do Cangaço Bike), um estilo de vida, de saúde e de batalha diária para sempre vencer o ócio.

Os ciclistas, depois dos pedestres, são infelizmente a classe dos mais injustiçados. Na escala de ofensas, não sei se sabem, mas o tráfego brasileiro tem uma lógica extremamente sagaz para definir lugares no trânsito, como bem observou Roberto Damatta. É muito simples: o caminhoneiro tem um ranço mortal para com o motorista de carro de passeio; o motorista de carro de passeio, raras vezes, esconde sua repulsão em relação ao motociclista; o motociclista, por sua vez, não compreende o pobre ciclista andando no acostamento; e, por fim, o ciclista, como não é de ferro, às vezes esquece que já andou muito a pé e, hora por outra, tem um leve desconforto com os pedestres.

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Pode mesmo ser verdade que o sonho do dominado é ser opressor, mas não vou me furtar de uma observação: em termos de solidariedade no trânsito, nunca vi um caminhoneiro, motorista de passeio ou motociclista se tornar melhor simplesmente por ser mero pedestre.

Todavia, não raras vezes, ao iniciar a arte de pedalar, os condutores passam a ter mais empatia para com os demais usuários das vias. De certo, a bicicleta potencializa algo extremamente humano — nossa falibilidade: você pode, assim como faria com um carro ou uma motocicleta, percorrer grandes distâncias, mas tudo limitado ao próprio condicionamento, força e resiliência.

Muito se engana quem vê um ciclista passando, todo colorido e cheio de acessórios, e acha ser apenas mais um homem ou mulher comum. Somos o novo cavalo-ferro, mais moderno, sem trilhos e sem fumaça. Bem verdade é que chegará o dia em que todos os meios de transporte vão cambiar para outras coisas, porém, as magrelas continuarão a ter espaço, disso não tenho dúvida. Deus nos livre de bicicletas elétricas e das arrogâncias da contemporaneidade. Meus votos de fraternidade a todos os ciclistas!

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