Do Diario de Pernambuco 
“Você não está grávida!”: Deiglis respira aliviada ao ouvir a notícia. Ela tem 17 anos e já é mãe de uma bebê de cinco meses. Outro filho não está em seus planos, mas ela não tem dinheiro para comprar anticoncepcionais, impagáveis para a maioria na Venezuela.
A gravidez precoce neste país anda de mãos dadas com a pobreza, desencadeada pela crise. Nos bairros e cidades rurais, é cada vez mais comum a ausência de educação sexual e reprodutiva, assim como a oferta pública de métodos contraceptivos.
Deiglis, por exemplo, pegou três ônibus para chegar à clínica da ONG Médicos Sem Fronteiras na cidade de Vidoño (Azoátegui, leste) para receber um implante hormonal subcutâneo gratuito, que a protege de outra gravidez por cinco anos.
“Não tenho dinheiro para comprar, é muito caro”, murmurou a moça à AFP – o tratamento custa US$ 10 no mercado, quatro salários mínimos.
A clínica “Amigos para a Saúde”, administrada inteiramente pela MSF, concentra-se, sobretudo, em jovens vulneráveis como Deiglis.
“Temos cinco métodos anticoncepcionais: preservativo feminino, preservativo masculino, comprimidos combinados, injeções de progesterona e implantes, que duram cinco anos”, detalha Lucía Brum, referência médica da MSF.
– “Muitas adolescentes” –
Para receber o dispositivo, Deiglis passa por um teste rápido para descartar uma nova gravidez.
É um requisito obrigatório. Na Venezuela o aborto é ilegal e é permitido somente se for essencial para salvar a vida da mãe.
As penas para essa prática variam de seis meses a dois anos de prisão.
“Sua última relação sexual foi com ou sem proteção?”, pergunta a enfermeira Érika Fernández em tom maternal a Deiglis, que responde em voz baixa.
“É forte, fico muito impressionada com as menores de idade”, diz a enfermeira de 41 anos, que não consegue conter as lágrimas ao falar das meninas grávidas que procuram esta clínica, construída em um pequeno morro cercado de árvores frutíferas.
“São tratamentos extremamente caros. A grande maioria que chega até nós diz que não tem dinheiro para comprar nenhum desses tratamentos”, explica.
O poder aquisitivo desapareceu na Venezuela, país que atravessa o oitavo ano de recessão e o quarto de hiperinflação, onde o dólar se impôs como moeda de fato.
Uma caixa de comprimidos anticoncepcionais varia de US$ 10 a US$ 25, enquanto uma injeção custa em torno de US$ 11, quantias que muitos não alcançam com um mês de trabalho.
“Ou como ou compro meu método anticoncepcional”, diz Maria Caraballo, professora do ensino médio de 26 anos, mãe de um bebê de oito meses. Ela recebe uma injeção a cada três meses para evitar uma nova concepção.
Em sua sala de aula, viu “várias adolescentes de 13, 14 anos grávidas”.
“Muitos pais não conseguem sentar e conversar com os filhos”, diz Caraballo, que além da injeção recebe quatro preservativos para o marido.
A coordenadora da Associação Venezuelana para uma Educação Sexual Alternativa (Avesa), Magdymar León, afirma que uma pesquisa realizada entre outubro e dezembro de 2020 pela ONG revelou que 60% das meninas entrevistadas responderam que suas informações sobre métodos contraceptivos “eram nulas”.
– “Muita ajuda” –
O presidente Nicolás Maduro reconheceu que existe um “problema” com a gravidez precoce, embora não sejam divulgados dados oficiais sobre o fenômeno.
Um relatório do Fundo de População da ONU, publicado em 2019 com dados oficiais, fala de 95 nascimentos por mil de mães adolescentes com entre 15 e 19 anos.
“Para 2019, é o terceiro país com a maior taxa de fecundidade adolescente, atrás apenas do Equador (111) e de Honduras (103), e bem acima da média regional (62)”, afirma o texto.
E a alarmante estatística responde principalmente à falta de educação sexual, uma constante nas jovens atendidas pela enfermeira Fernández, que usa luvas cirúrgicas, máscara e traje para se proteger da covid-19.
Das mais de 10.082 consultas de saúde sexual e reprodutiva atendidas pela organização “Amigos para a saúde” em 2020, 30% envolveram adolescentes.
As adolescentes grávidas “precisam de muita ajuda”, explica.
O ambulatório às vezes não dá conta de pacientes que chegam de cidades vizinhas, prova dos problemas de atendimento no sistema público de saúde.
“Perto de onde eu moro eles não atendiam muito as gestantes”, diz Deiglis, que veio por indicação de amigas e já sai com o implante. “Não há trabalho para sustentar outra criança”, afirmou.