Karl Marx é economista e produtor cultural

Nos chama a atenção as discussões travadas acerca da realização ou não do Carnaval de Serra Talhada. Com certeza é totalmente revoltante a situação dos servidores que, após anos de contribuição a previdência (geral ou própria) não receber aquilo que é seu por direito. No entanto, é completamente imoral o uso de um problema de ordem pública, como esse, para fins meramente populistas e eleitoreiros, pois é assim que vejo as argumentações e contestações do ilustríssimo deputado estadual republicano Sebastião Oliveira.

A cultura é o alimento da alma. Estudos recentes que tratam dos aspectos sociais e econômicos sobre a chamada (e nova) Economia Criativa, que tem como base primordial a Economia da Cultura, ressaltam a importância da valorização das tradições e dos artistas locais no contexto da nova sustentabilidade e da afirmação de um novo mercado que funcione de forma independente, justa e sem a “viciosa” intervenção do Estado como promotor do mercado e das ações
culturais.

Em 2008, o Ibope realizou uma pesquisa sobre os indicadores de cultura no Brasil e mostrou que a grande maioria da população está alijada do consumo dos produtos culturais: 87% não freqüentavam cinemas, 92% nunca foram a um museu; 90% dos municípios do país não tinham sala de cinema e 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança. Com certeza, isso é resultado e reflexo da medíocre concepção de gestores e deputados que acham que produtos culturais são artigos de luxo ou que exercem papel inexpressível para o desenvolvimento da sociedade.

“No entanto, é completamente imoral o uso de um problema de ordem pública, como esse, para fins meramente populistas e eleitoreiros, pois é assim que vejo as argumentações e contestações do ilustríssimo deputado estadual republicano Sebastião Oliveira”

É notável e agravante a crise vivenciada pelas administrações públicas municipais Brasil a fora, seja pela redução contestável (ou não) do FPM ou por seqüelas indiretas das crises econômicas nacionais e internacionais da contemporaneidade. Porém, porque sempre a cultura tem que pagar por isso? Reza a constituição brasileira que, assim como a Saúde, o Bem Estar Social e a Educação, a cultura é uma necessidade de primeira ordem. Então porque sempre tratá-la em segundo, terceiro, quarto ou último plano?

Governantes que manifestam essa concepção demonstram total incapacidade de guiar a sociedade para o verdadeiro progresso econômico e social, do qual Serra Talhada anseia há tantos anos. Sou completamente solidário a situação dos servidores ativos e inativos que têm seus vencimentos atrasados pela gestão pública. No entanto, é pura balela um deputado, um prefeito ou um vereador dizer que os compromissos não foram honrados porque o dinheiro foi gasto com cultura.

As finanças públicas não são (ou pelo menos não devem ser) administradas como uma conta corrente pessoal que o gerenciador olha quanto tem e resolve com o que quer gastar. Não é o dinheiro da saúde que paga as despesas da educação, não é o dinheiro da educação que paga a limpeza pública, não é o dinheiro da cultura que paga as ações do turismo e etc.

“Governantes que manifestam essa concepção demonstram total incapacidade de guiar a sociedade para o verdadeiro progresso econômico e social, do qual Serra Talhada anseia há tantos anos (…)  No entanto, é pura balela um deputado, um prefeito ou um vereador dizer que os compromissos não foram honrados porque o dinheiro foi gasto com cultura”

Precisa-se entender o verdadeiro papel da política cultural para os avanços necessários que o município tanto quer ter. E nesse contexto, é preciso resgatar essa festividade que há décadas vem sendo maltratada pelas gestões públicas municipais de Serra Talhada… Como artista e militante do movimento cultural me sinto na obrigação de manifestar esse pensamento que vai de encontro as perspectivas de sociedade justa e igualitária que queremos.

Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?…

A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte

A gente não quer só comer
A gente quer comer
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
Prá aliviar a dor…

A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro

E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade…
(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Sérgio Britto – 1986)