OPINIÃO: Grandes transformações nascem nas crises; por um São João sem 'pornoforró'

Por João Souza, faroleiro

Essa discussão em torno da grade cultural do São João 2013 está deixando o atual secretário de Cultura de Serra Talhada com a faca e o queijo na mão para o uso do poder público em seu real papel de desenvolvimento intelectual das pessoas. As grandes transformações são, quase sempre, nascidas nas crises e nunca estivemos diante de uma crise tão adequada para a geração e aperfeiçoamento da discussão em torno do real papel do estado. É claro que tudo é questão de gosto, cada um tem todo o direito de gostar da música ou da arte que quiser, isso é indiscutível, mas só podemos decidir pelo que queremos se tivermos oportunidade de discernimento.

O atual mercado fonográfico sufoca todo um universo artístico e impõe às pessoas, de forma quase que ditatorial, as tendências que interessam tão somente ao lucro. É impossível um jovem gostar do que não ouve, impossível, e 99% do que toca nas rádios e nos “paredões”, trata-se desse forró depravado ou dos enlatados impostos pelas novelas globais. A despeito disso encontrei no site: http://forrodalua.com.br/critica-de-ariano-suassunasobre-o-forro-atual, o texto abaixo, atribuído ao Dr. Ariano Suassuna, bastante apropriado para essa discussão:

“Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas as bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

As grandes transformações são, quase sempre, nascidas nas crises e nunca estivemos diante de uma crise tão adequada para a geração e aperfeiçoamento da discussão em torno do real papel do estado. É claro que tudo é questão de gosto, cada um tem todo o direito de gostar da música ou da arte que quiser, isso é indiscutível, mas só podemos decidir pelo que queremos se tivermos oportunidade de discernimento.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).

Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas. Porém a culpa desta esculhambação não é exatamente das bandas, ou dos  empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando- se.

Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shorts começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado.

Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom gosto e relevou o primitivismo. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

Porém a culpa desta esculhambação não é exatamente das bandas, ou dos  empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando- se.

Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na plateia’, alguma coisa está fora de ordem.

Quando canta uma canção (canção?!) que tem como tema a transa de uma moça com dois rapazes e o refrão é ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.” Como disse no início, as críticas serão intensas, mas creio que os gestores têm a obrigação de resistir e gastar o dinheiro público naquilo que leve as pessoas ao enriquecimento intelectual e não nesse repetitivo comércio fonográfico.

Quem sabe daqui a alguns anos teremos turistas visitando a cidade que faz o verdadeiro São João, podendo haver um segundo polo, com essas coisas, mas com dinheiro privado.Não vou parabenizar, ainda, o meu Amigo Domá, porque ainda achei a grade um pouco “suja”, mas ele está no caminho certo… Viva as tradições!