Por Márcio Siqueira, professor
Constantemente deparo-me com pessoas interessadas no assunto: religião. Num desses encontros, defrontei-me com um religioso, que afirmava, convictamente, que tipos de pessoas estariam “salvas” ou “perdidas” quando do “Juízo Final”. Chegou o nosso interlocutor ao extremo de declinar-me alguns nomes, como exemplo (naturalmente, os que estavam “salvos” eram os que comungavam de sua crença).
Ele fazia uma espécie de separação dos bodes das ovelhas. Naquele momento, lembrei-me de uma passagem evangélica contida no livro do Apocalipse, intitulada Juízo de Deus. Já se vê pelo título, uma grave falha de nosso religioso, pois nota-se, de cara, que o juízo é exclusivamente de Deus e de mais ninguém. O livro do Apocalipse, recebido mediunicamente por João, o evangelista, na ilha de Patmos, é de uma estrutura absolutamente simbólica e é quase impossível interpretá-lo com pleno acerto, mesmo assim, daremos nosso palpite também afinal, tantos dão o seu….
A passagem referida está no capítulo 20, versículo 12, senão vejamos: “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o livro da vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros.” Ouvindo então aquelas reflexões do “santo de Deus” (era assim que o nosso religioso se auto-intitulava), somadas a uma extrema firmeza nas suas palavras, se fizéssemos um esforço emocional de indulgência, dava até pra aceitar a ideia de que ele tinha consultado o misterioso “livro da vida” e observado os nomes de seu interesse na sua infinita “lista”, ou então, ignorado o “julgamento divino” e pronunciando assim sua própria sentença como veredicto…
“Algumas posturas dão-nos a entender que as escrituras são propriedades intelectuais de algumas correntes religiosas, e que toda e qualquer interpretação contrária aos dogmas estabelecidos afronta seus autores”
Chama-nos muito a atenção o desconhecimento (ou será má-fé?) de muitos cristãos que se arvoram procuradores e/ou intérpretes únicos do que chamam “a palavra de Deus”, chegando ao cúmulo de apontarem – por nome, repito – os condenados ao inferno e os bem-aventurados do paraíso. Algumas posturas dão-nos a entender que as escrituras são propriedades intelectuais de algumas correntes religiosas, e que toda e qualquer interpretação contrária aos dogmas estabelecidos afronta seus autores. Reagem como se as interpretações livres da bíblia denotassem uma apropriação indevida ou crime de plágio (e ai daquele que as interpreta contrariamente!).
Esquecem-se de que os textos sagrados são patrimônios universais e podem ser lidos, entendidos e interpretados livremente. Mas, mesmo com as dificuldades impostas pela imperfeição humana quando se trata das traduções e interpolações que ao longo dos milênios sofreu a bíblia, e, ainda pelo simbolismo das escrituras apocalípticas, logicamente percebemos que a divindade não anota os acontecimentos (obras) de cada um de nós em nenhum livro, até porque, arquivos desse tipo só têm utilidade nos negócios humanos, onde o esquecimento, os erros e a esperteza ainda nos acompanham.
Aliás, livros para arquivo estão quase em desuso em nosso tempo entre os homens, pois com o advento da informática todas as informações são codificadas em memórias virtuais (computador) dando à busca de informações rapidez e eficiência. (Estaria o “Departamento de Recursos Humanos do Céu” usando ainda arquivos físicos?!) Em verdade, no mundo divino, o Criador “grava” todas as informações do universo em sua ilimitada e perfeita “Mente”, sem esquecer ou perder qualquer informação, e não necessitando, por isso, realizar backup ao final de “expediente”. E, a lição que fica, é a que devemos ser prudentes, racionais e humildes para acreditar na recomendação do próprio Jesus de Nazaré, que afirma: “Não julgueis, a fim de não serdes julgados; porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros.” (Mateus 7; 1).
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