Cícero Lopes da Silva é professor e teólogo

O Natal é a comemoração do nascimento de Jesus, do filho de Deus que devia vir a este mundo (Sl 2,7; Is 9, 5; 11, 1-2; Lc 1, 26-35). No Ocidente, a celebração corresponde ao dia 25 de dezembro, no Oriente, 6 de janeiro. A data histórica não se sabe, mas pouco importa, o importante mesmo é sua mensagem: “Eis que  vos  anuncio uma grande alegria, e  que o  será para todo o povo: hoje  vos nasceu na cidade de Davi o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 10-11). O próprio nome “Jesus” (em hebraico) significa: “Deus Salva”.

Viver o Natal no seu sentido verdadeiro é crer que “Deus amou tanto o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Em sua essência, o Natal é a celebração do mistério da encarnação de Jesus: Jo 1,14 e Fl 2, 6-11. De fato, o amor verdadeiro realiza coisas grandiosas, transgride os limites, alcança o inalcançável. Pedro Crisólogo, bispo do século V, falava que o amor não se limita ao ordinário, mas transcende todas as barreiras: “O que deve ser, o que é possível, o evidente, o manifesto não é a regra do amor. O amor ignora leis, não tem regra, desconhece medida. O amor não admite o pretexto de impossibilidade, não aceita o da dificuldade. O amor  vai para onde é atraído, cresce com ardor e pretende o impossível”.

“Nesta sociedade, a encarnação de Jesus por primeiro é um convite para recuperarmos nossa condição humana, que é de amorosidade, generosidade, compaixão e amor. Enfim, fé e amor traduzem o verdadeiro espírito natalino”

O amor cristão é chamado “Ágape” (ROSSI, 2010), que significa entrega, doação, gratuidade, generosidade; de modo que o Natal de Jesus pouco tem a ver com o festival de consumismo e comilanças de fim de ano. Talvez hoje não seja tão diferente do tempo de Jesus, quando “Não havia lugar para ele na hospedaria” (Lc. 2,7). Há lugar para Jesus na opulência das nossas mesas? O verdadeiro espírito natalino supõe fé e conversão, mas disto pouco se fala. Conforme a FAO/2012 quase um bilhão de pessoas estão passando fome no mundo, e nós só arrazoamos sobre solidariedade no mês de dezembro. E ainda existem outras realidades gritantes, como a violência, intolerância, corrupção, injustiças, guerras etc., reflexo de uma real desumanização do homem na sociedade moderna. Infelizmente o cenário de “banalidade do mal” (ARENDT, 1999), e não podemos nos calar.

Fica então o alerta para não convertermos o Natal de Jesus numa festa meramente social ou num ritualismo sem conseqüências (GRUYTERS, 2003). Nesta sociedade, a encarnação de Jesus por primeiro é um convite para recuperarmos nossa condição humana, que é de amorosidade, generosidade, compaixão e amor. Enfim, “fé e amor” traduzem o verdadeiro espírito natalino, já vislumbrado nas palavras de Madre Teresa de Calcutá, com as quais concluo este texto:

“É Natal todas as vezes que sorris a um irmão e lhe estendes a mão; é Natal sempre que te levantas contra quem marginaliza os oprimidos no seu isolamento; sempre que dás voz a quem não tem voz nem vez; sempre que te pões ao lado de quem é débil e facilmente explorado; sempre que esperas com quem é prisioneiro: os oprimidos pelo peso da pobreza física, moral e espiritual; sempre que reconheces com humildade os teus limites e as tuas fraquezas. É Natal sempre que permites ao Senhor amar os outros através de ti”.

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ROSSI, Marcelo. Ágape. São Paulo: Globo, 2010.

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Letras, 1999.

GRUYTERS, Antônio. Como invocar o nome de Deus, o que diz a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2003.