É preciso que assumamos uma postura educacional diferenciada no que se refere ao ensino de língua materna ou iremos continuar batendo em ferro frio por muito tempo, ensinando coisas que não irão mudar de maneira significativa o pensamento equivocado de boa parte dos nossos alunos com relação ao seu código linguístico (língua portuguesa) e transformá-los em leitores competentes, autônomos e consequentemente em sujeitos letrados, criativos, participativos, construtores de novos discursos e melhores caminhos para nossa sociedade.

Ensinar gramática isolada, com suas impropriedades e imperfeições, fazendo análise sintática, obrigando os alunos a decorarem aquelas infinitas listas de verbos, classes gramaticais, regras de acentuação, e outras, os afastam da vontade de aprender mais sobre sua língua, deixando a impressão de que ela é a mais difícil do mundo, quando sabemos que isso não é verdade. A gramática que utilizamos por aqui segue os padrões de uso da língua portuguesa – a chamada língua de Camões – em Portugal, essa sim, é mais enrolada do que “fundo de cesta”. O português brasileiro, com o seu feixe de variedades, é bem mais fácil e atende muito bem as nossas necessidades de comunicação.

Por que essa submissão a Portugal que tem uma população quase vinte vezes menor do que a nossa e menos representatividade na economia mundial? A língua portuguesa falada no Brasil ganhou uma dimensão tão grande que não há gramática normativa que consiga “cercá-la.” Aconteceram tantas mudanças que o português de Camões parece ser outra língua diante do português brasileiro. Falo assim porque infelizmente ainda há um grupo de professores gramatiqueiros que se acham os tais, se vangloriam porque conhecem boa parte das regras da gramática normativa, vendem a idéia de que só é possível se comunicar de forma efetiva e “correta” se mergulhar no decoreba dessas regras.

Que coisa absurda e sem base científica! Que pena, sofrem de esquizofrenia lingüística, são dinossauros do ensino de língua materna, pensam que estão na Alexandria do século III a.c onde nasceu a famigerada idéia do “erro de gramática”. Pois saibam, meus colegas tradicionalistas, que é possível, e como é, falar, cantar, escrever e interagir com os outros sem a preocupação de aprender ao pé da letra as regras dessa gramática excludente que não aceita a língua falada por mais de 180 milhões de brasileiros. Que maravilha são os poemas de Patativa do Assaré que passaram muito tempo fora dos livros didáticos em função desse ridículo preconceito lingüístico. E as composições de Adoniran Barbosa? Do nosso Zé Marcolino, Zé Dantas e tantos outros, deixam de ser belas por conter “erros de português?” Há que se entender que não existem língua nem sociedade homogêneas.

“Pois saibam, meus colegas tradicionalistas, que é possível, e como é, falar, cantar, escrever e interagir com os outros sem a preocupação de aprender ao pé da letra as regras dessa gramática excludente que não aceita a língua falada por mais de 180 milhões de brasileiros”

Ao invés de vocês perderem tempo se colocando como guardiões da língua, defensores da norma standard ou culta se preferirem, leiam e aprendam mais sobre ela ou então a deixem em paz, a nossa cultura vai agradecer. Como produto da inteligência coletiva, a língua no contato com as pessoas, envelhece, se transforma, para que possa no tempo e no espaço cumprir o seu papel de instrumento de interação entre os seres humanos. Se vocês lerem sobre a origem da gramática normativa, irão constatar que os homens já falavam e interagiam uns com os outros muito antes dela existir e em outras leituras verão que os escritores, não andam desesperados atrás de gramáticos para melhorarem obras literárias. Então está provado que o mais importante é você “ter o texto”. Se não o tem, não tem gramática, nem capacidade comunicativa. Aqui no Brasil essa concepção de certo e errado já vinha desde o império e começou a mudar na segunda metade do século XX.

A gramática nessa época estava fortemente ligada à linguagem como expressão do pensamento, em que, segundo seus defensores, o indivíduo que não consegue se expressar não pensa. Esse se expressar significa conhecer as regras da gramática. Isso tem base no idealismo subjetivista de Descarte, no penso, logo existo. Prefiro o falo, logo penso de Bakthin (linguística da enunciação). A questão não é deixar ou não de ensinar gramática, mas refletir sobre como ela é abordada por grande parte dos professores de língua materna. É preferível, ao invés de se fazer estudos metalingüísticos de substantivos, verbos, pronomes, etc analisar a importância deles na produção de sentido do texto, como por exemplo, os pronomes ele e ela nas relações endofóricas (anáforas e catáforas) desse texto, e o pronome você nas ligações exofóricas.

Além disso, ainda precisamos incentivar os nossos alunos a lerem bons textos, não de qualquer jeito, sem que exista o processo de interação com o que está lendo, mas fundamentado numa prática dialógico-discursiva em que eles (alunos) tenham a liberdade para buscar significações. Sei que é um desafio muito grande para os professores de língua materna ensinar na perspectiva da enunciação, mas é preciso superar essa crise epistemológica e oferecer aos nossos alunos aulas mais interessantes, dando prioridade à semântica, ao texto e ao discurso.

“Ao invés de vocês perderem tempo se colocando como guardiões da língua, defensores da norma standard ou culta se preferirem, leiam e aprendam mais sobre ela ou então a deixem em paz, a nossa cultura vai agradecer”

*Gootemberg Mangueira é professor