Por um Cidadão Indignado, de Serra Talhada

algemas“Numa tarde quente e seca de um belo domingo caloroso, chega a uma delegacia um condutor de uma ocorrência policial, juntamente com seus comandados, tropa de elite, agentes especializados, com uma logística invejável ao exército de Osama Bin Laden, impecáveis, preparados para tudo, até para o bando de Lampião se ressurgisse do inferno, donde estavam realizando abordagens na zona rural da caatinga desse Sertão do Pajeú, indagando pessoas espessas em suas humildes localidades, dizendo de porta em porta:

– “Alguém tem arma de fogo em casa?” quando um pobre e excluso da sociedade e de qualquer tipo de informação possível, responde: -“Tenho senhor, uma bate-bucha, soca-soca, sem calibre, enferrujada até na lembrança, uma herança do meu bisavô, enterrada dentro de uma caixa, fechada com cadeados, nos fundos de minha propriedade”.

Conduziram o meliante, o inescrupuloso, o fora da lei, deram voz de prisão, algemaram, puseram no xadrez da viatura, ligaram sirene e partiram para delegacia afim de apresentar a autoridade policial para realização de procedimento de praxe.

Chegaram saltando das viaturas, exibindo o troféu, a potencial arma de fogo, porém, de corações limpos, tinham um atenuante “É CABA TRABALHADOR”, gente boa, já colhemos informações na localidade, e só trouxemos porque temos que cumprir a “lei”. E agora? Vamos fazer o APFD, diz o nobre bacharel, ao avaliar preliminarmente o boletim de ocorrência apresentado, crime previsto na lei, conduta delitiva comprovada, crime permanente, materialidade confirmada.

De repente, um escrivão despretensioso, pergunta: “Caros agentes públicos especializados de prevenção à criminalidade, o que motivou os eficazes policiais a conduzir a esta delegacia um “TRABALHADOR”, que possivelmente estava“trabalhando” ou no descanso do seu lar? Justificou o preparado e honroso policial: – “estou cumprindo a “lei”, estamos cumprindo metas, para no fim fazer jus ao “BÔNUS” por arma apreendida, e ainda vos digo, não esqueçam meu Boletim Eletrônico para justificar a recompensa pecuniária”.

E agora? O “BÔNUS”, esse é que tem valor, esse paga a cervejinha do final de semana, esse paga a faculdade, esse paga o carro novo, esse paga o luxo de quem não precisa roubar ou se desviar para ser recompensado, esse é a pura caracterização de uma polícia inerte, empurrada por metas bonificadas, e ainda assim, é fator causador de inúmeras insatisfações e alterações no humor de quem não detém esse privilégio. Todo o juramento em defesa da sociedade não passa de uma conduta motivada pelo “BÔNUS”, e assim, no demais, nada mais.

E assim, é confeccionado a peça meramente informativa de mais valor no direito penal brasileiro, o APFD, elaboradas, digitadas e formalizadas as peças, assinado e achado em conforme, vai assinada por todos, lindo! Segundo passo, arbitra-se a fiança, o autuado, o “TRABALHADOR”, é gente boa, e não possui renda fixa, fica o valor de R$ 242,00, um terço de um salário mínimo, galho fraco para qualquer pessoa, será?

Informado ao Autuado o valor da quantia que terá que ser disponibilizada, tendo mesmo retrucado: – “tenho que pagar mesmo”? Será que podemos dividir? Será que posso pagar com meu Bolsa-Safra ou Bolsa-Família? Se não, liga para alguém da minha família, pede ajuda por mim. E agora?

Resolvido o caso, faremos um balanço, mais um cidadão “TRABALHADOR” preso, solto, em virtude de fiança, se conseguiu, foi extirpado da sociedade um marginal, ou até mesmo como diria o condutor da ocorrência, “UM TRABALHADOR, GENTE BOA”.

Ficou o TRABALHADOR sem dinheiro, se pagou a fiança, devendo a quem emprestou, sem dinheiro para fazer a feira, sem honra, mal visto pela sociedade, precisando pagar um advogado para não ser condenado, com a ficha suja, a família passando necessidade, formando-se criminoso de verdade se permaneceu na cadeia, abandonado pelo estado, e ainda, sendo bucha de canhão para quem comando o crime, se tornando e fazendo parte de mais uma espécie nova que se forma todos dos dias nos estabelecimentos prisionais do país.

Por fim, fica a pergunta que não cala: Quanto vale um “bônus” de uma vida de um agricultor “trabalhador” preso em flagrante delito por posse ou porte de uma arma de fogo de uso “inofensivo”? meu Deus, abençoe a vida desses pobres de espírito, ponha em seus caminhos a conforto de tua palavra, acalentando assim suas ansiedades, povoando esta instituição de agentes firmados em teus ensinamentos. “AMEM”.