Neste domingo (20) retornamos com a segunda reportagem sobre o a comunidade Alto da Serra, ou Serra do Cruzeiro, fixada no alto da serra talhada. A repórter Manu Silva e o fotógrafo Alejandro Garcia, passaram a manhã desta sexta (18) buscando saber como vivem cerca de 20 famílias da comunidade. Abandonados no tempo e isolados da cidade os moradores falam com orgulho do trabalho no roçado. À vontade com a curiosidade e as lentes da nossa reportagem os moradores contaram parte de suas histórias, falaram sobre cotidiano, clima e lendas do alto da serra. Boa leitura!
Ao contrário do que muitos moradores do centro urbano serratalhadense pensam, lá em cima é quente. Apesar de ter o mesmo frescor que qualquer outra área rural, o clima muda assim como na cidade. “O clima daqui é melhor do que o da rua, é mais ventilado, mas faz sol e a noite é friozinho e tranquilo, dá para dormir com as portas abertas. Aqui e acolá cai uma garoinha, o lugar que chove mais é aqui em cima da serra. Eu vivo da roça, planto só para consumir mesmo e tenho um burro. Para ir na rua a gente vai a pé ou freta um moto ou um carro. A pé demora coisa de 1h30 ou 2h, mas quando eu vou aqui por dentro dos talhado é mais ligeiro. Para voltar a gente vem mais pesado então pega um carro, um táxi, porque aqui não tem carro para vir para cá”. Luiz Pereira, 60 anos, mora no Alto da Serra há 36 anos.
Pelo que percebemos a única atividade de lazer que os moradores encontram na comunidade são os encontros do centro espírita Luz do Caminho, que funciona no prédio da antiga escola. A escola foi desativada por falta de alunos, já que a comunidade hoje é praticamente formada por adultos e idosos, o prédio foi cedido pelo governo municipal para realização das atividades. “Moro aqui desde 1979, trabalhando como agricultura. Frequento a casa espírita desde que esse menino (Éliton Oliveira, presidente do centro) passou a cuidar da gente. Quando eu morava na rua eu gostava de assistir, mas quando eu passei a morar no mato não tive mais oportunidade. Aqui não tem igreja, não tem nada. Só tem o poder de Deus, a roça para a gente cuidar e puxar cobra para os pés, que é o que tem mais”, disse Maria José Pereira, 55 anos, moradora da comunidade há 36 anos.
A maioria dos relatos dos atuais moradores explicitam que eles não são naturais da localidade, foram morar no ponto mais alto de Serra Talhada em busca de melhores condições de plantio ou porque casaram-se com moradores naturais da região. “Nasci na rebeira do São João, vim morar aqui porque eu casei com uma menina daqui e fiquei morando aqui. Trabalhava na roça, plantava milho feijão, mandioca, algodão o que dava no outro tempo. Hoje não tem mais nada não, cadê as chuvas? Cadê o inverno?”, disse Manoel de Magalhães, 84 anos. Assim como Edilene de Souza, 41 anos, que mora na região há 7 anos. “Sou da Fazenda Saco – Ipa, vim morar aqui porque eu casei e vim morar aqui, meu esposo é daqui e eu tive que vir acompanhar ele, não quis me acompanhar lá embaixo.
Buscamos também saber um pouco sobre as lendas que contam sobre a serra talhada. De acordo com o relato dos moradores, as histórias ficaram no passado e não passam de conversa antiga. “As histórias daqui são jornal velho, esse negócio de cobra, disse que tem, já ouvi falar que tem uma serpente dentro do açude da cachoeira. Tem um buraco ali em baixo que é morcego que só a moléstia, dizem que sai na cidade, mas eu mesmo se eu disser que vi tô mentindo. Isso é do tempo antigo, quando morava muita gente aqui”. disse o senhor Manoel. Da mesma forma pensa a centenária Maria de Lourdes, que mesmo com 103 anos e há 43 na comunidade Alto da Serra é descrente das lendas. “Eu num sei de história não, é difícil virem aqui, virem aqui perguntar por alguma história. Se eu disser tô mentindo”.
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